O Bom, O Esperto e A Mocinha
Rodrigo queria tudo: um novo cargo, um melhor salário e até uma futura esposa. Seu erro foi achar que Bruno não queria nada disso.
De todas as histórias que lemos, ouvimos, contamos, as melhores parecem ser as que mais se aproximam da verdade de cada um. Esta pode ser uma delas. De três pessoas que buscavam, a sua maneira, suas próprias verdades. Depois me contem qual deles estava certo ou errado. Ou será que ninguém erra de verdade? Enfim...
Bruno
era o cara certinho da firma; fazia tudo conforme as normas, nunca dizia um não
ao que lhe pediam – e sempre lhe pediam para fazer... bom, tudo. Rodrigo era
praticamente o oposto; não que não fosse bom sujeito, até era, conversava com
todos, já tinha ficado com duas ou três meninas da firma e tinha aquele
jeitinho esperto para adiantar alguma tarefa ou mesmo escapar dela, melhor
dizendo delas; e se lhe pediam para fazer algo, adivinhem quem acabava fazendo:
ele mesmo, Bruno.
Certo dia, seu Juvenal anunciou uma
vaga no setor de supervisão, um cargo acima do que Bruno e Rodrigo trabalhavam.
Uma promoção estava à vista e os dois eram os únicos no páreo. Ambos tinham o
mesmo tempo de casa, a mesma experiência, conheciam bem a firma e seu Juvenal
deu a entender que só um seria promovido. Estava declarada a disputa.
Bruno continuou sendo o Bruno de todo o
dia: prestativo e sempre eficiente em todos os setores, aprontava seus
relatórios em dia, seus arquivos eram tão organizados que mesmo seu Juvenal o
consultava antes de acessá-los; e não
tinha um dia que ele não ficava depois do horário de expediente. Já o
Rodrigo... O Rodrigo era o jeitinho
brasileiro em pessoa; já que não podia contar mais com a ajuda de Bruno, seu
adversário direto à promoção, requisitou os serviços de Lucinha. Lucinha era
toda mocinha-novinha, secretária de seu Juvenal. Com promessas de casamento,
filhos, uma casinha de dois quartos, sala e cozinha no Jardim das Rosas ao lado
de mamãe, fazia praticamente tudo o que o pulha lhe pedia: relatórios,
arquivos, backups e até aquele cafezinho com canela que ele gostava. Era como
se Lucinha fosse sua secretária particular e, por isso, Rodrigo já sonhava alto
e tinha até visitado o que, segundo ele, seria o seu escritório.
Então, chegou o grande dia. Era uma
sexta-feira quando todos estão mais relaxados por terem sobrevivido a mais uma
semana já planejando o que se ia fazer no sábado e no domingo. Bruno e Rodrigo,
lógico, estavam lá. Rodrigo, daquele jeito: sorridente e falador, dando
beliscões nas garotas e tapinhas nas costas dos colegas dizendo que, quando lá
em cima, não se esqueceria de ninguém.
Bruno, esse não mudava: sentado na sua mesa no canto da sala, parecia
ainda trabalhar digitando algo no seu computador.
O pessoal da firma não comentava
abertamente, mas todos davam como certa a promoção de Bruno. Bom... todos menos
Rodrigo. E quando seu Juvenal anunciou o novo supervisor de almoxarifado
apontando para o rapaz franzino e com aquele jeitinho de caipira, todos bateram
palmas dizendo uns para os outros: “eu sabia”; “só podia ser ele mesmo”. E o
Rodrigo? O Rodrigo, talvez pela primeira vez na sua vida, estava calado. Olhava
pasmado aquela cena de final de novela onde o mocinho geralmente sempre ganha.
Ele podia ter ficado na dele e esperado o momento certo para agir, mas aí...
não seria o Rodrigo. Ele chamou seu Juvenal para um canto e cobrou – isso mesmo
– cobrou satisfação sobre o porquê não foi promovido. Esse foi seu segundo erro
(não estranhem, explico depois). Seu Juvenal disse-lhe que não acreditou nas
tarefas que chegavam à sua mesa. Os relatórios que Rodrigo lhe mandava estavam,
segundo seu Juvenal, um lixo! Números todos errados, a diagramação toda fora
dos padrões; seu Juvenal achou que Rodrigo não levou a sério a candidatura à
promoção e deu a entender que até reveria a manutenção dele no cargo atual. Aí,
Rodrigo enervou-se e cometeu seu terceiro erro (é isso mesmo, a conta está
certa). Lucinha, toda fofinha e loirinha, apareceu para entregar algo a seu
Juvenal e Rodrigo começou a gritar com ela tão alto que a muvuca, que tinha se
formado do pessoal festejando, silenciou. Rodrigo dizia que a culpa era toda
dela, que ela o traiu, xingando-a com todos aqueles nomes ofensivos a mulher
que começam com vê. Seu Juvenal não pode consentir com aquilo. Lucinha, toda
bonitinha e com aqueles olhos claros de princesinha do papai, além de ser
querida por todos – para os que ainda não sabiam – era também sobrinha de seu
Juvenal; foi trabalhar lá a pedido da sua irmã. Aos berros, mandou Rodrigo
pegar suas coisas e vê-lo na sua sala. Cabisbaixo, foi até a sua mesa, pegou
alguns papéis e objetos e, antes de seguir até a sala de seu Juvenal e ser
sumariamente despedido, olhou em volta e viu Bruno daquele mesmo jeitinho
caipira de ser. Pensou em fazer algo, mas aparentemente desistiu.
Se Rodrigo tivesse prestado mais
atenção ao que acontecia nas últimas semanas, talvez as coisas acabassem de
outro modo. Esse sim foi seu primeiro erro. Quando requisitou os serviços de
Lucinha, mal percebeu que a moça, toda gracinha e cheirosinha, ainda estava
aprendendo a função de secretária. E quem – pergunto a vocês – a ajudava nesta
árdua tarefa? Ele mesmo meus amigos, Bruno! Ele alterava números, dados, o
diabo a quatro. Ficava até tarde ajudando Lucinha fingindo não saber para quem
era, já que, Lucinha dizia que era para ela mesma.
Moral da história: sinceramente, não
sei que tipo de moral teria uma história onde um se aproveita do outro;
contudo, um ou dois ditados poderiam caber aqui como os mansos herdarão a Terra ou o
mundo é dos espertos. Ah, Bruno e Lucinha, toda alegrinha, começaram um
namoro e já falam em casamento para daqui a seis meses. Acho que Lucinha é bem
espertinha também.
A ideia para esta história veio como sugestão em um livro e fui desenvolvendo conforme ia escrevendo. Grande parte do que escrevo, eu crio dessa forma. Ao final fiquei com a sensação de já ter conhecido, pelo menos, um dos personagens. Quem sabe?
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