Tente Outra Vez
Thomas queria provar para seu amigo e para todos que o amor sempre ultrapassa as barreiras do tempo.
- Meu Deus! – gritou ele. Com o susto, tombou para trás na própria cama. Achava ter visto um fantasma até ver que era seu amigo.
-
Calma, Jorginho, sou eu o Thomas, e quando Jorginho olhou novamente para ele,
reconheceu seu companheiro de colégio e faculdade. Contudo:
-
Thom! É você mesmo? Cê parece um pouco...
-
Velho? – completou ele. – Eu posso explicar, mas vai ter que ser rápido, não
tenho muito tempo...
-
Tá, mas como cê entrou aqui e eu não vi? A gente não ia sair hoje?
-
Eu explico isso também e sim, nós saímos, quer dizer, vamos sair... – sacudiu a
cabeça parecendo organizar os próprios pensamentos. Então: - Olha, preciso que
faça algo muito importante pra mim.
-
Tá, o que é?
-
Preciso que você salve a Marina!
-
Salvar a Marina! Mas como assim? – ele levantou-se assustado, porém, Thomas lhe
pediu calma com as mãos. – O que aconteceu com a Marina?
-
Não aconteceu nada ainda com ela, Jorginho... Vai acontecer! Eu preciso de sua
ajuda para impedir. – disse ele da maneira mais serena que pôde, no entanto,
Jorginho manteve o tom alto na voz.
-
Mas impedir o quê? O que vai acontecer com ela? Ela não tá bem? Vocês não estão
bem? Você está usando algum tipo de maquiagem?
-
Jorginho, calma... Ela está bem, por enquanto e não, não é maquiagem... Deixa
eu contar tudo e depois cê fala, Jorginho tencionou dizer mais alguma coisa,
mas Thomas fez um gesto pedindo silêncio e ele atendeu. – Daqui a exatos
quarenta minutos, Marina, Vera e eu chegaremos como combinados e iremos ao
cinema, tudo bem? – Jorginho apenas acenou com a cabeça e Thomas continuou. –
Ok! Quando a sessão termina e vamos para o estacionamento, todos decidem me
esperar para pegar o carro, só que... – ele interrompeu-se parecendo engasgar
com as próprias palavras, contudo, forçou-se a continuar. – Só que eu demoro...
Não foi nada demais, apenas não achava minha vaga... Mas então a Vera percebeu
que perdeu o celular e chamou você para ajudar a procurá-lo e a Marina resolveu
vir atrás de mim e... um louco varrido que dirigia a toda dentro do
estacionamento não a viu a tempo e... e... – ele parou novamente, desta vez,
interrompido por Jorginho.
-
Thom, cara, cê não tá falando coisa com coisa! – disse ele conduzindo seu amigo
a se sentar na cadeira da escrivaninha. – Do jeito que cê fala, parece que isso
tudo já aconteceu! Cê tem certeza de que tá bem, se não... – ele levantou-se
bruscamente e olhou sério nos olhos de Jorginho. Hesitou alguns segundos, mas
falou enfim:
-
Jorge, cê não entendeu ainda?
-
Não entendi o que, Thomas?
-
Eu vim do futuro, Jorginho! Do futuro! – clamou ele e Jorginho apenas arregalou
seus olhos.
-
Ah, claro, do futuro... – disse ele em um tom condescendente, mas Thomas
percebeu. – Eu deveria ter percebido logo. Você, o que, veio num Delorean também?
Ei, você deve saber quem vai ser campeão este ano! Se apostarmos, ganhamos uma
bolada! Não, não, melhor: quais são os números da próxima mega-sena? A gente
pode...
-
Já chega, Jorginho! – exasperou-se Thomas.
-
Não, já chega você! – retrucou ele. – Isso é bem coisa sua e com certeza do Zé
também! Já tô cansado das suas brincadeiras! E essa sua maquiagem não está
convencendo ninguém! Quando eu ficar bravo pra valer eu...
-
Chega, Jorge! – Sempre que Thomas dizia o nome do amigo alto e sem diminutivo,
Jorginho sabia que o assunto era sério. Entretanto, Thomas sabia que ninguém
acreditaria nele antes que pudesse provar. Ele olhou no seu relógio e
dirigiu-se ao amigo.
-
É sempre assim... Tá, Jorge, ligue a T.V.
-
Ligar a T.V. pra quê? – retrucou cruzando os braços. Mas Thomas foi enfático.
-
Jorge. Ligue. A. T.V. – Jorginho obedeceu quase instantaneamente. – Certo,
coloque no dois.
-
Mas por que no dois? Eu ainda não... – Thomas apenas o encarou e Jorginho o
atendeu novamente. – Pronto, tá aí! Só que tá passando o jornal.
-
Exatamente, disse Thomas; o jornal é ao vivo! Agora, preste atenção: daqui a
pouco a moça vai noticiar um acidente entre um ônibus e um caminhão e depois
vão falar que o incêndio numa fábrica de sapatos já está controlado. – ele
apontou para a T.V. e Jorginho se virou para o aparelho ainda desconfiado.
Contudo, arregalou os olhos quando viu a exata sequencia de notícias descritas
pelo amigo acontecerem diante dele. Ele voltou-se para Thomas que o encarava
impassível e colocou as mãos na cabeça.
-
Isso não é possível! – alardeou ele. – Você já sabia disso de antemão, só pode!
-
Mesmo que eu soubesse do incêndio, o acidente ocorreu há poucos minutos! –
explicou Thomas. – Será que agora você pode me ouvir?
-
Então você veio do futuro?
-
Sim, Jorginho, acredite!
-
Mas como?
-
É muito complicado de explicar e eu já não tenho muito tempo... Apenas diga que
entendeu tudo.
Jorginho
cruzou os braços novamente e ficou em silêncio por alguns segundos. Até que:
-
Então, você é capaz de viajar no tempo, mas não tem tempo pra me explicar! –
desdenhou.
Thomas
cerrou os olhos e comprimiu seus lábios de certa forma que Jorginho teve receio
que ele o agrediria. No entanto, ele respirou fundo, consultou outra vez seu relógio
e voltou-se para ele.
-
Tá bem, Jorginho, vou explicar da maneira mais simples e rápida possível. Por
acaso sabe algo sobre a Teoria da Relatividade de Einstein? – apesar da clara
expressão de dúvida no rosto, Jorginho respondeu que sim. Thomas suspirou e
continuou. – É claro, não sei por que vivo repetindo isso... – sem Jorginho
entender, ele prosseguiu. – Pra resumir: Einstein disse que passado, presente e
futuro ocorrem ao mesmo tempo, certo? – ele não esperou que Jorginho
respondesse sim ou não. – Baseado nisso, uma pessoa conseguiu criar uma técnica
que permite que qualquer um se movimente em cinco dimensões e não apenas em
quatro como já fazemos e... aqui estou.
Jorginho
tornara-se a incredulidade em pessoa depois daquela explicação. Apesar da
impaciência, Thomas esperou ele dizer algo. E não tirava a mão esquerda do
relógio.
-
Tá, vamos dizer que acredito e entendi tudo... Quem é essa pessoa e que técnica
é essa?
-
Essa parte é realmente complicada e não teria tempo o suficiente para explicar...
-
Thom, é muita coisa! Olha, se a gente...
-
Meu tempo está acabando, Jorge! – exasperou-se. – Eu levei dez anos para
conseguir dominar essa técnica, tive que alugar esse mesmo apartamento para
poder falar com você, tenho que usar as mesmas roupas da época, objetos, até
meu corte de cabelo é o mesmo para não afetar mais o espaço-continum do que já
estou afetando e, ainda assim, só consigo ficar poucos minutos... Apenas
concentre-se no que lhe pedi... – interrompeu-se por alguns segundos e continuou.
– Não nos deixe sair, apenas isso... E caso eu me afaste por algum motivo,
mantenha a Marina sempre junto com vocês... Por favor, Jorginho, acredite em
mim desta vez, eu lhe imploro.
Jorginho
mencionara dizer algo, mas o repentino chamado da campainha o distraiu. Quando voltou
sua atenção para Thomas, ele já não estava mais ali. Ele ficou atônito. Por
alguns minutos simplesmente se esqueceu do que deveria fazer, onde estava, e
mesmo se era a pessoa que tinha a certeza que era. Só voltou a si quando ouviu
a campainha pela terceira vez – ou seria a quarta? Ele abriu a porta e Thomas
apareceu de novo. No entanto, ele estava do mesmo jeito que ele o vira fazia três
dias: o rosto ainda jovial e com aquele jeito esperto de quem parecia saber
mais do que todos.
-
A gente pode entrar, Jorginho? – perguntou ele e só então percebeu que todos
ainda estavam ali parados.
-
Claro... – disse ele. Deu passagem para Thomas e Marina, mas não conseguiu
tirar seus olhos deles. Vera, sua namorada, estranhou seu comportamento e lhe
questionou.
-
Amor, quê que cê tem?
-
O quê? Não, eu tô ótimo! – respondeu trocando um rápido beijo com ela. Procurou
mais uma vez Thomas que estava no meio da sala, consultando o relógio no pulso
direito do mesmo jeito que o outro Thomas. Mas
não são o mesmo?, pensou Jorginho. E tirando os muitos fios grisalhos e as
marcas do tempo no rosto, era sim o mesmo, com o mesmo suéter azul-marinho, o
jeans e o par de tênis brancos inclusive.
-
Jorginho, cê não tá pronto ainda? – observou ele. – Desse jeito a gente vai
perder a sessão das nove.
-
Amor, cê tá pálido, disse Vera colocando uma das mãos na sua testa; e frio! Cê
pegou resfriado?
-
Talvez seja melhor não irmos, falou Marina.
Jorginho
então percebeu: era esse o ponto. Se ele tivesse a chance de mudar o que quer
que tenha ocorrido ou o que poderia ocorrer, era essa a hora. Ele olhava para
cada um ali como que procurando alguma resposta. Vera, com quem namorava há
cinco anos; Marina, ainda nos seus vinte; e, por fim, seu grande amigo, Thomas
que sempre foi um obstinado, mas mesmo ele nunca pensaria que amava tanto
Marina a ponto de ultrapassar a barreira do tempo para salvá-la. Tentou olhar
fundo nos seus olhos esperando que ele oferecesse algum tipo de solução, porém,
aquele Thomas ali parado parecia tão perdido quanto ele. O tempo parou por
alguns segundos e Jorginho sentiu uma sensação de dejá vu, perguntando-se se aquilo já havia realmente acontecido.
Tinha se lembrado das últimas palavras da versão mais madura do amigo – acredite em mim, dessa vez – e por fim
decidiu.
-
É... olha, acho que eu não estou muito bem mesmo... Pode ser algo que eu comi
mais cedo... – foi interrompido por Vera e ficou aliviado. Não sabia se
conseguiria continuar com a tentativa de encenação.
-
Tá tudo bem, querido, eu te faço um chá e a gente fica um pouco aqui, né
pessoal? – para a surpresa de Jorginho todos concordaram, principalmente
Thomas.
-
Por que não falou logo, cara! – reprendeu ele.
-
Poxa, desculpe mesmo, gente... – lamentou-se.
-
Sem problemas, Jorginho, disse Marina; podemos pegar um filme pela T.V. e pedir
uma pizza... – dizia ela, mas se corrigiu. – Ou é melhor não! Que tal uma
pipoca?
-
Vocês podem pedir uma pizza, eu fico no chá, não se preocupem...
Horas
depois de risadas, dois filmes, duas pizzas, pipoca e algumas xícaras de chá de
erva-doce, Thomas e Marina estavam se despedindo. Vera ficaria para continuar
cuidando de Jorginho que havia, ao menos, deixado de lado aquele insólito
episódio de mais cedo. Tinham todos descido e esperavam no portão de entrada do
prédio por Thomas. Ele teve que estacionar seu carro um tanto longe dali por
não achar um lugar mais próximo. Foi quando aconteceu.
-
Ah, não! – exclamou Marina e os outros se assustaram.
-
Que foi, Má? – perguntou Vera.
-
Deixei meu celular lá em cima, minha cabeça... Eu subo rapidinho, não sei por que
o Thom tá demorando...
-
Não, pode esperar ele aí, ordenou Vera; eu e o Jorginho subimos e pegamos pra
você! Vem, amor! – Jorginho foi puxado sem chance de argumentar qualquer coisa.
Porém, quando chegaram na porta do elevador, ele teve novamente uma sensação de
dejá vu e uma angústia o tomou
naquele momento. O elevador havia chegado e Vera entrara, mas ele não. Algo o
detinha, contudo, não sabia ou não se lembrava do que era, até...
-
Amor, vem logo, daqui a pouco o Thom tá aí!
Um
frio percorreu sua espinha quando então se lembrou do que aquele Thomas vindo
do futuro havia lhe pedido – mantenha a
Marina junto com vocês. O tempo parou e ele não conseguiu pensar em mais
nada. Um guincho agudo vindo da rua interrompeu qualquer pensamento que poderia
ter. Algo forte bateu no muro do prédio vizinho, ouviu-se vidro se quebrando e
um grito. Então o tempo correu novamente, assim como Vera e ele que nada mais
puderam fazer além de testemunhar aquela cena trágica.
-
Meu Deus! Jorginho, a Marina! – gritou Vera. Ela correu esperando encontrar a
amiga ainda viva, contudo, quando chegou perto do que foi um Gol preto e era
agora apenas uma grande massa de metal retorcido, desesperou-se. Jorginho, no
entanto, ficara onde estava, perplexo. Não sabia mais o que fazer ou o que
dizer até ouvir um outro guincho de pneus. Thomas desceu do carro e foi direto
em sua direção.
-
Jorginho, o que aconteceu? Cadê a Marina? – perguntou e Jorginho apenas o
encarou. Então Thomas olhou em direção ao acidente e viu Vera em prantos. –
Não, não! A Marina não! – ele cedeu em frente ao amigo que o segurou tentando
conter tanto a tristeza dele quanto a sua.
-
Me desculpe, Thom... Me desculpe... – dizia ele enquanto o abraçava. Mas Thomas
era só lágrimas e dor.
Logo
depois do enterro de Marina, Jorginho marcou aquele dia em um calendário. Não
falou nada a Thomas sobre sua versão futura por achar que talvez ele não
acreditaria ou não saberia explicar. Mas na verdade tinha medo de que se
falasse algo, poderia mudar o que ainda iria acontecer. Lera alguma coisa a
respeito disso e enfim se viu crédulo. Sem muita escolha, seguiu com sua vida.
Conseguira um novo emprego e dois anos depois fora promovido. Casou com Vera,
mudaram de cidade, tiveram um filho e, exatos dez anos depois, ele retornou. Sabia
exatamente onde Thomas estaria. Demorou um pouco para chegar, devido ao
trânsito, e quase não conseguiu reconhecer o prédio onde morava. Surpreendeu-se
por seu nome e rosto estarem registrados na lista do porteiro eletrônico e pode
entrar sem problemas. Estava tão preocupado que nem perdeu tempo tocando a
campainha. Tomou um susto quando viu seu antigo apartamento completamente
vazio, exatamente como o deixara há quase dez anos atrás. E quando chegou ao
que foi seu quarto, por pouco seu coração não veio à boca. Thomas estava
deitado no chão e parecia não se mexer. Jorginho se aproximou e ficou aliviado
vendo o peito do amigo enchendo e esvaziando mesmo ofegantemente. O rosto
estava molhado de suor e lágrimas, mas ainda era aquele Thomas que veio
visitá-lo há uma década: algumas rugas já marcavam o rosto, assim como alguns
fios grisalhos no cabelo delatavam sua idade madura; e usava o mesmo suéter
azul-marinho, os jeans e o calçado daquela fatídica noite.
-
Thom, meu Deus! Eu sinto muito... – dizia ele. Entendeu que embora já fizesse
dez anos da morte de Marina, para Thomas, pode ter ocorrido há apenas algumas
horas.
-
Eu... fiz tudo... que podia... – ofegava ele. – Você era... minha última
esperança... eu não sei mais... eu não...
-
Thom, eu não entendo, interrompeu-o para que pudesse se recuperar. – Eu fiz o
que me pediu! O que deu errado?
-
Eu... não sei... sempre acontece... Alguém sempre esquece o celular... e a
Marina acaba sempre...
-
Do que cê tá falando, Thom? – dessa vez o interrompeu com a mão em riste. – Há
quanto tempo você tá aqui? Quantas vezes você já...?
-
Me mudei pra cá faz três meses... – disse Thomas e Jorginho se espantou. – Não
me lembro mais quantas vezes fui e voltei... Com você eu cheguei mais perto de
impedir... Mas é a primeira vez que você veio... Acho que se você me ajudar, eu
posso tentar mais uma vez...
-
Thom, não! – enfatizou Jorginho.
-
Por favor, Jorginho... uma última vez...
-
Você já está vivendo muito tempo no passado, Thom! O que aconteceu, aconteceu
e, como você mesmo percebeu, nem eu ou ninguém vai conseguir mudar o que
passou. Está na hora de seguir em frente, Thom.
-
Eu já tentei, Jorginho... – disse ele entre lágrimas.
-
Então tente outra vez, Thom. E quantas vezes forem necessárias.
Tenho conseguido juntar duas vertentes tão distintas quanto o cotidiano e ficção científica. Espero que quem quer que leia, aprecie tanto quanto eu... Ou não, fique livre!
ResponderExcluirMeio Efeito Borboleta! Curti. Prende a atenção!
ResponderExcluirOpa! Valeu Fê pelo coments!
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