Quem É Você?

ODISSÉIA INFINITA


Devido ao terrível desastre ocorrido em Ofaneus durante a Grande Guerra Galáctica (entre o Império Haru V e o Sistema Numade), a Confederação de Planetas Unidos proibiu, após o fim das batalhas, qualquer tipo de teletransporte interplanetário. A medida possibilitou que não apenas grandes cargueiros, como também, médias e pequenas naves realizassem o transporte de cargas e passageiros entre planetas e galáxias. 
A Ulysses é uma delas.





PARTE UM

 

         "Diário do capitão, data da Terra: vinte de Janeiro de 4.985. O ano não começou muito bem para nós. Os pedidos de entrega estão esgotando, mal pude pagar os benefícios da tripulação ano passado, e não me parece que esse será diferente. Os cargueiros estão ficando mais rápidos e os conglomerados os preferem pela segurança e maior quantidade de transporte. Já as pequenas naves tem ficado para trás. Alguns tiveram que desistir para quitar suas dívidas e se incorporar em alguma companhia. Se eu tiver que fazer isso, não sei quem eu vou decepcionar mais: minha tripulação, que considero meus amigos, ou a mim mesmo. Ao menos, essa entrega me permitirá adiar essa decisão para daqui a seis meses. Devemos parar em Marte primeiro e pegar a encomenda em Taurus - um SV novo em folha e alguns suprimentos para uma estação científica localizada em Andrômeda, próxima a um buraco negro. Começo a pensar no por que essa entrega ainda estava disponível. Espero que qualquer problema que tivermos se limite a um atraso ou cientistas mal-humorados."

         Um bipe intermitente chama a atenção de William Rocha. Ele então resolve terminar ali a digitação do diário de bordo para responder o alerta.

         - Oi, Suno, disse e o bipe cessou imediatamente.

         - Will, The Big Red está logo à frente! - exclamou ele.

         - Já estou indo, e com um aceno o console em que trabalhava desligou.

         Quando saiu da sua pequena cabine, a porta deslizou um leve zunido. Ao abaixar a cabeça para passar, registrou na memória notificar To'omar para arrumá-la. Nos altos de seus quarenta e cinco anos, e mesmo que sua pele negra não denotasse qualquer sinal de idade avançada, já se via fazendo alguns truques para não esquecer certas coisas; e coçar o cavanhaque para depois passar a mão no cabelo ralo, era já um velho hábito. Entrou no apertado elevador no final do corredor e subiu até a ponte. Suno estava sentado no console direito do primeiro piloto. William sentou-se no da esquerda. Os dois eram amigos de longa data; conheceram-se na Aurora de Saturno, onde tiveram a ideia de se tornarem independentes. Alguns centímetros mais baixo, Suno trazia com ele duas descendências curiosas: o pai, japonês; e a mãe, guarani. À frente deles, brilhante como um enorme rubi, Marte se aproximava cada vez mais. William se ajeitou na cadeira e fez o anúncio que percorreu a nave:

         - Atenção, tripulação, permaneçam em seus lugares. Estamos adentrando a atmosfera de Marte nesse instante.

         Duas campainhas tocaram sinalizando a mensagem enviada. E então houve um solavanco, e depois outro. Os dois se olharam e William disse:

         - Ela não fazia isso, ou pelo menos, não duas vezes seguidas.

         - Segundo To'omar, precisamos trocar todo o nosso sistema de estabilidade gravitacional e talvez a propulsão de frenagem... - dizia Suno, mas William o interrompeu.

         - Eu teria que vender a Ulysses para fazer tudo isso! - retrucou ele e ambos riram. Contudo, os dois foram interrompidos por um apito agudo seguido de uma mensagem. O rosto de um homem de pele tão clara quanto leite e olhos negros, vestindo uma espécie de uniforme azul escuro, surgiu no canto esquerdo superior da tela.

         - Cargueiro classe Delta TS 72 Zomil, denominação Ulysses, seu registro está correto, sua licença está ativa e não há qualquer ressalva quanto aos registros de sua tripulação. Sejam bem-vindos a Taurus. Tenham uma boa estadia.

         E tão logo o homem terminara sua mensagem, sumira instantaneamente da tela. Suno e William olharam-se de novo.

         - Se Otulo não tivesse atualizado nosso sistema operacional, aí sim estaríamos com problemas, ressaltou William.

         - Ele vai querer um aumento, disse Suno.

         - Teríamos que vender a Ulysses duas vezes pra fazer isso! - completou William e suas risadas foram mais altas dessa vez. E quando enfim apareceu Taurus na tela da ponte, uma das primeiras colônias do planeta vermelho, foi a deixa para William sair enquanto Suno aterrizava a nave. Entrou no mesmo elevador que viera e desceu até o compartimento de carga.

         Apesar de relativamente grande, a Ulysses era um dos menores tipos de cargueiro da classe Delta que havia. De fabricação zomyliana, adaptada com tecnologia terráquea, a Ulysses, encontrada por William e Suno, já com esse nome, possui quatro níveis divididos entre as cabines da tripulação e passageiros, refeitório e ambulatório.  Havia dez anos que ele e os outros se aventuraram no que era uma empreitada arriscada. A Grande Expansão possibilitou que muitos também se arriscassem e, por isso, William sabia que a competição seria acirrada. Contudo, Eles conseguiram se sobressair aos demais e a perseverar enquanto outros sucumbiam. Muitos achavam que o segredo do sucesso da tripulação da Ulysses era justamente a nave. Pequena e rápida singrava o cosmos na velocidade da luz, alguns brincavam. Porém, William guardou para ele o verdadeiro segredo de terem chegado tão longe: a excelente tripulação que tinha conseguido reunir.

         Quando desceu do elevador, na doca dois, a Ulysses também já tinha pousado no Porto Taurus Um. A primorosa tripulação também estava ali, preparando um dos "barcos" para comprar suprimentos.

         - A lista está pronta? - perguntou ele.

         - Desde a semana passada, meu grande capitão! - disse Otulo. Era ele quem cuidava das finanças e das entregas da nave. Apesar do seu tamanho diminuto, característica dos habitantes de Monanah, ele era um dos mais altos da sua espécie e, por isso, todos o respeitavam. De temperamento forte, mas com bom coração, Otulo, como todos os homens monanos, tinha a pele de um branco amarelado e total ausência de pelos. E como quase todos os monanos, ele e parte de sua família se refugiara na Lua após a guerra, o que lhes rendeu um apelido que eles não gostavam nem um pouco: lunares.

         - Verifiquei cada item para ter certeza da necessidade e cortei alguns... - dizia ele, mas foi interrompido.

         - Otulo, eu preciso de novas pinças e de mais pílulas anestésicas, disse Melissa, a médica da Ulysses. A Confederação obrigava que todos os cargueiros tivessem, ao menos, um médico na tripulação. E Melissa foi um achado. Nascida em Europa, mas formada em medicina na Terra, era tão inteligente quanto linda. Uma beleza singular, de certa forma. Se para alguns a combinação da sua pele negra com os longos cabelos e seus olhos claros era incomum, quando sabiam de sua habilidade natural, tudo isso fazia sentido.

         - E precisamos sim de novos unifones! - esbravejava Mirra - os que temos não estão se conectando mais com o Sistema Universal. - nascida em Vycellar, também servira no mesmo cargueiro que William e Suno. Oficialmente, era a responsável pela segurança das entregas, mas acabava cuidando de toda a tripulação. Um tanto impaciente, tinha uma pele de um azul quase celeste e cabelos prateados que remetiam a William os céus de sua cidade natal. Era uma lembrança reconfortante.

         - E as minhas cebolas libonesas? Não posso fazer nada sem elas! - nessa hora, todos encararam Taliseu ao mesmo tempo.

         - Qual é o problema com as cebolas da Terra? - perguntou William segurando o riso.

         - São pequenas demais. E não gosto da cor delas, declarou.

         - 'Não gosto da cor delas!' - repetiu Mirra estupefata. - E o que isso tem a ver com...

         - Se você souber como fazer um bolo sinuto, interrompeu-a bruscamente; veria que as cebolas libonesas são bem melhores!

         Os outros riam durante a discussão. Estavam acostumados com Taliseu. O cozinheiro da nave sempre arranjava pratos novos para pedir mais ingredientes. A maioria dos habitantes de Zellus era como Taliseu: pele roxa, olhos negros e alguns fios bem lisos cobrindo a cabeça. Os zelluanos tinham a fama de serem um dos povos mais amigáveis do universo. No entanto, como Taliseu sempre demonstrava, há exceções para todas as regras.

         - E veja, continuava ele; To'omar foi o mais privilegiado da lista. Aliás, como sempre. Eu não sei por quê...

         - Porque, Tali, sem peças sobressalentes não tem nave. E sem nave, sem medicamentos, sem comunicadores e sem qualquer tipo de cebola, sobrepôs To'omar nos seus dois metros e dez. Natural de Opakale, refugiado como Otulo, conhecera William e Suno na Terra, onde mora com a esposa e seus oito filhos. Tinha a aparência por vezes assustadora, mas era sempre gentil e companheiro. De pele alaranjada e com olhos de um vemelho-sangue intenso, mantinha uma cabeleira amarronzada e bem extensa que, se não fosse por insistência da esposa, teria uma barba igualmente protuberante.

         - Minhas cebolas... - dissera Taliseu quase sussurrando e de cabeça baixa. Ás vezes, só a presença de To'omar terminava uma discussão.

         - Muito bem, pessoal, William aproveitou que todos se silenciaram. - Otulo, inclua apenas as pílulas, dois unifones e... - deu uma olhada em Taliseu que fez uma expressão digna de seu povo. - Um quilo de cebolas libonesas.

         - William, meu amigo, você vai comer o melhor bolo sinuto de toda a sua vida! - entusiasmara-se.

         - Espero sobreviver a essa experiência, dissera ele deixando Taliseu pensativo.

         - Desse jeito vamos ter que vender a Ulysses só para comprar o que todo mundo quer, reclamara Otulo enquanto pegava de volta a lista com William que apenas sorriu. Mirra se aproximou dele.

         - O que vamos fazer com apenas dois novos unifones?

         - Combinar melhor os horários já que vocês costumam demorar com as compras, respondeu William para a frustração de Mirra. Ela saiu rispidamente em direção ao barco.

         Ele sequer se importava. Não fazia questão nenhuma de controlar o tempo que sua tripulação passava comprando os suprimentos. Viajando durante meses e até anos dentro de um invólucro metálico era estressante para qualquer um. Então deixava que aproveitassem o tempo livre que tinham, desde que, não demorassem em demasia.

         - Cuidarei para que ninguém se atrase, dissera Suno que acabava de chegar.

         - Olha quem fala, o nosso guia de passeios turísticos, brincou Melissa.

         - Apenas cuidem do horário, estamos um pouco apertados nesse serviço, enfatizou William.

         - Por que está olhando para nós duas se são esses dois que sempre querem ir a mais algum lugar ou comprar algo a mais! - reclamou Melissa apontando para Suno e Taliseu.

         - Vamos, o barco está pronto, disse Suno que subiu rapidamente no veículo puxando Taliseu e Melissa com ele.

         William bateu com o dedo indicador no seu pulso esquerdo e Mirra, mesmo contrariada, juntou-se aos demais. O barco, como chamavam, era na verdade uma das naves salva-vidas da Ulysses. Graças a algumas modificações feitas por To'omar; ela podia ser usada também como um aerodeslizador; havia espaço para um piloto e mais oito pessoas. Fazia um estranho zumbido quando era ligado e outro mais estranho ao se movimentar. Além de levantar mais poeira do que deveria.

         Assim que saíram, Otulo chamou William.

         - Ei, o chefe do chefe da alfândega quer falar com você e só com você!

         William soltou um ar enfastiado e gritou de onde estava:

         - To'omar!

         - Não sairei! - respondeu ele da mesma maneira.

         William voltou-se para o pequeno Otulo e juntos foram em direção a rampa da doca. Ele ainda retrucou:

         - Não sei o que há de errado com as cebolas da Terra...

         Cerca de meia hora depois, em um setor periférico de Taurus, uma estranha transação, comum na colônia, no entanto, estava prestes a acontecer. Um homem, com alguns cabelos grisalhos, segurava pela mão uma garota em frente à porta de um bar. Aparentava ter entre dezessete e dezoito anos; de cabelos negros e curtos, seus olhos azuis não faziam a menor intenção de esconder seu pavor e sua tristeza. Nos olhos do seu acompanhante também havia tristeza, porém, tentavam fingir frieza.

         - Pai, pai - tentava ela uma vez mais - a gente não pode...

         - Não, não podemos! - interrompeu-a bruscamente. - Já falamos sobre isso, Liz... Não me... - pensou em dizer algo que o faria se arrepender mais do que já estava. Então não o fez. - No fim será bom pra você... conhecer outros lugares... - disse ele pousando suas mãos nos finos e delicados ombros de sua filha - Me espere aqui.

         Ela obedeceu, mas suas lágrimas não quiseram mais esperar. Enxugou-as para que se sentisse forte e ficou de costas para deixar claro sua contrariedade, enquanto seu pai foi tratar seu derradeiro destino ali dentro. Quando suas lágrimas secaram, notou, bem à sua frente, um enorme mercado e um veículo em particular. Havia duas mulheres próximas a ele parecendo esperar por alguém. Então dois homens chegaram e começaram o que parecia uma discussão. Foi quando algo chamou sua atenção: o compartimento de carga do veículo estava aberto. Nisso, ouviu vozes vindas de dentro do bar e uma delas era do seu pai. Liz sequer pensou. Apertou o passo, desviando das pessoas que andavam por ali, mas sem correr para não alarmá-los, e conseguiu chegar perto do veículo sem que os donos a percebessem. Chegou a ouvir seu pai lhe chamando, mas não deu atenção. Assim que entrou, e escondeu-se entre as diversas caixas que estavam ali, a porta fechou. E logo de imediato, pôs-se em movimento. Havia uma pequena janela na porta onde Liz pode ver seu pai desesperado com as mãos na cabeça entre dois sujeitos que não sabia quem eram. E mesmo preocupada e com algum sentimento de culpa não pode deixar de sentir um grande alívio. Qualquer que fosse o destino daquele veículo, parecia melhor que a alternativa.

         Pouco mais de trinta minutos, o veículo parou. Liz ouviu vozes e sentiu um frio percorrer sua espinha.

         - Por que demoraram? - perguntou William.

         - Adivinha: os dois se esqueceram da vida olhando aqueles holojogos! - respondeu Mirra. - Pareciam duas crianças!

         Liz não via seus rostos e nem tentava. O que fez foi se camuflar ainda mais entre as caixas e pensar no que fazer depois.

         - Estamos em cima da hora, retrucou William; estacione, vamos decolar.

         - E as compras? - questionou Mirra.

         - Otulo e Tali as guardam mais tarde... Mirra, mais um minuto aqui e pagamos uma taxa extra!

         Liz ouviu o que parecia ser um protesto daquela voz feminina e ela sentiu-se mover logo depois. Teve a impressão de subir duas rampas; então o barco parou de novo. Percebera que a dona daquela voz saíra do veículo e um longo silêncio seguiu-se. Não saberia dizer quanto tempo ficou ali, mas quando teve coragem, retirou de cima dela uma das pequenas caixas e viu que, onde quer que estivesse, era escuro e frio. Não haveria chance melhor. Se esgueirou até chegar na parte da frente do barco e, por sorte, a porta não estava trancada. Ela conseguiu sair e permitiu-se alguns segundos para respirar, alongar-se e, ao menos, ter uma noção de onde estava. A escuridão já não incomodava tanto e Liz deduziu que estivesse em algum depósito. Repentinamente uma campainha tocou. Achando que fora descoberta, correu para onde seus olhos apontaram e se escondeu entre dois grandes tubos. Então uma voz que preencheu todo o lugar falou:

         - Atenção tripulação, acabamos de sair da atmosfera de Marte; podem voltar aos seus lugares, disse a tal voz e assim como apareceu, sumiu.

         O frio na espinha de Liz pareceu voltar com mais força. Ela tinha que ver para acreditar. Tentou, mesmo no escuro, olhar ao redor de onde estava procurando uma escotilha, ou uma janela que fosse. E bem no canto à sua esquerda, encontrou. Correu na ponta dos pés o mais rápido que pode e manteve-se assim para poder ver o lado de fora e maravilhar-se com a imensidão negra à sua fronte. Era bem diferente de ver do chão ou das telas da sua escola. Mas Liz não se contentou. Virou seu corpo de todos os lados que pode e, como que atendida, lá estava ele: já uma bolinha vermelho-alaranjado que poderia caber na palma de uma de suas mãos. Algumas lágrimas escorreram pela sua delicada pele quando lembrou-se do que seu pai dissera antes: "Vai ser bom pra você conhecer outros lugares".

         - Adeus, pai, disse baixinho para ela mesma e foi-se esconder em algum lugar. 

 

PARTE DOIS

 

         Liz encontrou o que parecia ser um tubo oco próximo a um pequeno corredor e ali se escondeu. Porém, seu estômago falou. Ela não tinha comido mais nada desde o café da manhã e nem imaginava onde poderia arranjar algum alimento. Então lembrou-se que em algumas daquelas caixas que eles trouxeram pareceu ter visto algo comestível. No entanto, as luzes se acenderam quando estava quase saindo do seu esconderijo; duas pessoas apareceram e seus planos foram frustrados. Ela se encolheu o máximo que pode, mas conseguia ouvir suas vozes.

         - Da próxima vez, eu mesmo trago os suprimentos para evitar atrasos, dissera Otulo. Sua voz pareceu fina, porém firme para Liz. Ela iria se surpreender com sua aparência.

         - Foram só alguns minutos a mais! Aquelas mulheres ficaram meia hora vendo a nova moda para as fêmeas e não vi ninguém chamando-lhes a atenção! - já a voz de Taliseu era esganiçada, mas o que Liz não sabia era que o seu sotaque a deixava assim.

         - Não quero saber, vou falar com William que...

         - Ora, vou falar com o William também e...

         A discussão pareceu não terminar mesmo quando os dois foram embora. E com as mercadorias. Liz conseguiu dar uma espiada e viu que eles entraram em um elevador. A nave era grande, tinha percebido, e pensou que deveria ter uma cozinha. E sabia que não seria fácil chegar lá.

         Assim que a escuridão voltou, Liz se esgueirou lentamente até a porta do elevador e o chamou quando conseguiu encontrar o botão. Ela se agachou para esperá-lo e, repentinamente, ouviu passos vindo em sua direção. Ficara sem saber o que fazer, o elevador estava demorando e, talvez, quem quer que estivesse vindo, poderia não ser tão amigável com intrusos. Ela orou a Ares que a auxiliasse enquanto aqueles passos lentos, mas pesados, continuavam se aproximando. Então seu deus lhe atendeu; assim qual o elevador chegou e mal a porta abriu, iluminando-a com uma luz amarelada, ela entrou rapidamente e pressionou o primeiro botão que seu dedo alcançou. A porta começou a fechar e os passos pesados de To'omar apressaram-se para o desespero de Liz. Ela só voltou a respirar quando o elevador fechou totalmente e se movimentou.

         Quando ele parou, e a porta se abriu, Liz adentrou o que era um corredor com diversas portas ao longo dele. Não sabia se havia uma cozinha ali, e de fato não havia. Só depois descobriria se tratar dos dormitórios da tripulação. Pensou em voltar para o elevador, porém, este fechara a porta às suas costas e fora embora. Não teve muito tempo para pensar no que fazer. Ouviu vozes vindo de um dos quartos e, no mesmo instante, tentou entrar pela primeira porta que mirou, bem a sua frente. Mal colocara sua mão ali, ela abriu-se como que atendendo seu pedido. E mais uma vez agradeceu a Ares já no lado de dentro. Estava um tanto escuro e preferiu deixar assim. As vozes que ouvira pareceram seguir para o elevador e, quando cessaram, conseguiu enfim tomar um fôlego e se acalmar. Por pouco tempo. Viu que havia uma cama e sentou-se nela para pensar em seus próximos passos quando subitamente ouviu alguém lhe falar ao seu lado esquerdo: "Quem é você?", perguntou. Liz saltou da cama com o susto e caiu no chão. Se arrastando até uma das paredes esperava ver quem quer que fosse, mas não havia uma alma viva ali além dela. "Não vou machucar você.", disse a mesma voz e Liz teve certeza agora que era uma voz de mulher; "Mas você não deveria estar aqui". Liz, quase sem ar, gritou:

         - Luz!

         Então, de fato, viu o dormitório onde estava. Era simples: uma cama de solteiro onde descansavam um cachorrinho e um gatinho de pelúcia, uma escrivaninha no lado da cabeceira que era decorada com um vaso com uma flor que não reconheceu e alguns porta-retratos. E havia um armário que era onde estava encostada.

         "Quem é você?", perguntou mais uma vez a mesma voz, "Eu não vou machucá-la!", dissera e Liz, mesmo confusa e ainda assustada, sabia que a voz não era dela e muito menos de alguém que conhecia. No entanto, respondeu:

         - Eu sou... eu...

         "Liz, você gosta de ser chamada de Liz...", ouviu daquela voz e sobressaltou-se. Pelo menos, por alguns segundos, se arrependeu de ter entrado naquela nave.

         "Liz, me escute: eu não vou machucar você. Por que não vem até o meu consultório para conversarmos? Vai ficar tudo bem, eu prometo", dissera e Liz, como que por encanto, se sentiu mais calma.

         - Tá bom, disse ela sem a menor cerimônia; levantou-se e saiu do quarto.

         Liz foi direto até o elevador, esperou ele chegar e entrou. Percebera que um dos botões já estava sinalizado e, assim que ele parou e abriu, ela saiu calmamente e seguiu por um corredor. Foi até o final, onde uma porta branca e grande abriu-se para ela entrar. Tinha ali duas macas e vários equipamentos médicos dispostos em uma mesa. Mas ela ainda não entendia como conseguiu chegar lá sem conhecer toda a nave.

         - Olá, Liz - disse aquela voz e ela virou-se para a direita para ver da onde vinha. - Sente-se ali, Melissa apontou uma cadeira logo ao seu lado e Liz obedeceu. Ela ainda não entendia como a voz de Melissa entrara na sua cabeça, mas a achou linda com sua pele de ébano e os cabelos negros e trançados, porém, presos em um coque.  - Meu nome é Melissa... Nossa, você é muito jovem! Como chegou aqui?

         - Eu... - Liz não sabia se queria contar toda a sua história. Não sabia o que fariam com ela se soubessem ou se acreditariam. Contudo, ela repassou toda sua aventura na cabeça para escolher o que contar ou não. Entretanto:

         - Ah, meu Deus! - dissera Melissa de repente e Liz ficou sem entender. Nisso, chegara Taliseu com uma tigela em uma bandeja contendo algo parecido com um mingau e um copo com suco de banana.

         - Como se não tivéssemos bocas o suficiente para alimentar, retrucou ele depositando a bandeja em uma mesa perto de Liz, seguido de um "ahã" reprovador de Melissa. Liz olhou para os dois e ficou surpresa por saberem que ela estava com fome mesmo que não tenha dito nada. Melissa fez um "sim" com a cabeça e Liz deu uma colherada, e depois outra. Na terceira, chegara Otulo que tencionou dizer algo, mas Melissa o impediu com sua mão esquerda em riste. Depois chegara Mirra e logo atrás William. Liz parou subitamente de comer e pôs-se ereta na cadeira como fazia quando criança, esperando a bronca por alguma traquinagem que aprontava.

         - Mais essa agora, pronunciou Mirra; vamos ter que voltar só para devolvê-la, e o frio na barriga de Liz substituiu sua fome. Pensou em falar algo, implorar até, mas William interveio,

         - Não podemos voltar. Teremos que pagar uma multa se nos atrasarmos. Além disso, venda ou tráfico de pessoas já é crime desde antes da guerra, dissera.

         - E ela pode alegar depois violação de direitos por você ter lido a mente dela sem autorização, disse Otulo para Melissa. Liz então entendeu como ouvia a voz dela na sua cabeça e como os outros já sabiam de sua história. Já tinha ouvido falar de telepatas, mas nunca tinha conhecido um ou uma. Contudo, ainda estava assustada com o que aqueles estranhos poderiam fazer com ela.

         - Ela perdeu esses direitos quando invadiu a Ulysses, justificou Melissa.

         William então se aproximou e sentou-se ao lado de Liz. Algumas lágrimas já escorriam de seus olhos. Ele percebeu e tentou ser o mais brando possível.

         - Liz, nos desculpe se violamos sua privacidade, mas não sabíamos quem você era ou o que queria aqui. Entendemos que o que seu pai fez foi errado, portanto, ao retornarmos do nosso serviço, a deixaremos na Terra para que as autoridades tomem providências, tudo bem? - ela se acalmou e fez um "sim" com a cabeça.

         - Eu queria... - engoliu seu quase choro e continuou. - Eu queria pedir desculpas também... Eu nunca quis deixá-los ou ninguém nessa situação... Se eu não tivesse... - então ele veio. Se antes o choro seria por medo, este foi de alívio, mesmo ela não sabendo o que a esperava mais tarde. Melissa a confortou.

         - Certo, quer dizer que seremos a babá dela até lá?- questionou Mirra.

         - Ela pode ajudar aqui com alguma coisa, sugeriu Melissa cerrando seus olhos para Mirra; e Liz sorriu ali pela primeira vez.

         - Por mim, tudo bem! Eu faço qualquer coisa pra agradecer vocês! - disse ela entusiasmada. - Se fosse outras pessoas...

         - Acho bom mesmo! - interrompeu Otulo repentinamente. - Aqui ninguém come de graça! - havia dito. Olhou em volta esperando que todos concordassem com ele. Contudo, seus olhares diziam o contrário. - O quê? - questionou ele sem entender, mas Liz ainda era só sorriso.

         E nos três meses seguintes, Liz continuava assim. Fazia de tudo um pouco: ajudava Melissa na limpeza do consultório; com Taliseu também ajudava a limpar a cozinha e a preparar as refeições; já To'omar, entre os intervalos da uma e outra lavação das docas, a mostrava como funcionava quase tudo na Ulysses; Suno e Mirra ensinavam a pilotagem básica e a interagir com Max, a I.A. da nave, quando ela limpava a ponte; William a ensinava a operar o sistema da nave nos intervalos da limpeza dos dormitórios e do setor de passageiros; isso quando Otulo não a ocupava com a arrumação de seu escritório.

         E era exatamente de Liz que Mirra e William falavam quando estavam na ponte. Tinham atravessado o Túnel Roddenberry há algumas horas e faltavam mais algumas para chegar à Estação Avançada Quatro.

         - Ela é bastante prestativa, dizia William com uma caneca de café nas mãos.

         - E verdade seja dita, o trabalho dela tem sido essencial nesses meses, dissera Mirra que acompanhava William com sua caneca.

         - Mas não podemos ter mais ninguém na tripulação agora, sentenciara ele.

         - Não podemos ou não queremos? - questionou Mirra para a surpresa de William.

         - Ora, vejam, não era você que não queria ficar de babá da moça?

         - Eu já sou babá de muita gente aqui! - retrucou ela depois de sugar um gole de café. - Só disse que o serviço dela veio a calhar, como vocês dizem na Terra. Eu não agüentava mais ter que esfregar aquele gel mal-cheiroso nas docas... E eu não sou a única que gostou disso! - Mirra o encarou com suas duas lentes púrpuras e foi a vez de William sugar um pouco do seu café antes de dizer algo.

         - Talvez um dia, quando as coisas melhorarem...

         - As coisas nunca mais vão melhorar! - interrompeu ela. - Meus compatriotas em Vycelar me informaram, ano passado, que a Confederação não conseguiu resolver o impasse entre o Império e Tussim. Aquele chanceler akine não serve pra nada! É como se quisessem uma nova guerra!

         - O que eles querem é o retorno do comércio por teletransporte, retomou William. - Mas com os sistemas ainda em conflito o risco de outro Ofaneus é muito grande.

         - E ficaríamos desempregados!

         - Se isso acabasse de vez com as guerras, eu não me importaria de...

         Um sinal do painel interrompeu William e logo em seguida um holograma de uma cabeça flutuante projetara-se dali. Era toda branca com características terráqueas e olhos amarelados. E era só por isso que Suno apelidara Max de “o fantasma do espaço”.

         - William, chegaremos à Estação Avançada Quatro em aproximadamente dez minutos, informou ele com sua voz suave.

         - Obrigado, Max. Avise o resto da tripulação... Eu já estou indo para a doca dois.

         - Como queira, William, dissera e, assim que sua projeção terminou, Mirra e William se levantaram e foram direto para o elevador.

         - Uma coisa é certa, quis concluir MIrra; uma outra guerra e todos nós faremos parte do Império Haru V e os que vierem depois. E com eles, o comércio de pessoas será tão normal quanto esta entrega! - terminara, mas William ficou em silêncio.

         Poucas horas depois, com a Ulysses já acoplada à estação, Melissa encontrava-se sozinha em seu ambulatório. Seu trabalho, como única médica da nave, seria examinar todos os tripulantes da estação. Havia já separado alguns equipamentos e estava terminando de analisar as fichas médicas dos cientistas e pesquisadores quando ouvira uma voz que parecia sussurrar no seu ouvido direito.

         "Você pode me ajudar?" - perguntou.

         Melissa automaticamente se virou para ver quem a questionara, porém, ela era a única ali. E a voz não era de ninguém que ela conhecia.

         - Olá, quem está aí? - perguntou, mas não houve uma resposta direta. Contudo:

         "Você pode me ajudar?" - repetiu a mesma voz e só então ela se deu por si. Tinha já algum tempo que ela não "ouvia" ninguém falar com ela dessa maneira e por isso se surpreendeu.

         "Você pode me ajudar?" - repetiu mais uma vez e Melissa, sem saber ainda o que fazer, respondeu apenas com outra pergunta.

         "Quem é você?"

 

*

 

         Isso aconteceu dias atrás.

 

         Ele levou as mãos à cabeça quando percebeu que nunca alcançaria Liz. Não a pé, pelo menos. Bauro Vermelho teve a certeza que o matariam ali mesmo. No entanto:

         - Por Ares, eu não sabia que ela ia fazer isso! - disse ele desesperado a dois truculentos homens: um armore e outro terráqueo. Ambos tinham a pele retinta. - Mas eu vou atrás dela e trazê-la de volta! Por Ares que fez desta terra seu salão vermelho! - bravejou.

         Contudo, nenhum deles falou uma palavra. Quem se pronunciou foi Divos No-Lu, um libono que era conhecido em Taurus como o Senhor dos Três Chifres. Falavam assim por causa dos três grandes e principais setores da colônia.

         - O que houve? - perguntou. O tom de sua voz transmitia uma autoridade natural. Junto dos seus dois metros e cinco de altura. Sua pele, cabelos e olhos esbranquiçados, infligia medo sem quase se esforçar.

         - A menina fugiu, Mestre, respondeu o armore.

         - Senhor Divos, introduziu-se Bauro; eu juro que trago minha filha de volta! Ela ficou assustada e...

         - Senhor Bauro, interrompeu-o Divos pousando sua mão em um dos seus ombros; nossa transação foi concluída, ela não é mais sua filha, dissera ele tranquilamente e se dirigiu aos seus dois empregados. - Já sabem o que fazer. Passar bem, senhor Bauro.

         E enquanto Divos voltou-se na direção do seu estabelecimento, os dois grandalhões seguiram para capturar Liz. Bauro paralisara ali no meio da rua e apenas despertou quando um veículo quase o atropelou. As palavras de Divos ecoavam em sua mente e, mesmo com seu dinheiro e com suas dívidas quitadas, desejou, por alguns segundos, que o tivessem mesmo matado.

         Minutos depois, Divos recebera uma ligação em seu escritório.

         - E então, perguntou e o terráqueo respondeu.

         - Mestre Divos, o veículo pertencia a um cargueiro, ele partiu a pouco menos de cinco minutos.

         - Sabe para onde foram?

         - Vou baixar o mapa estelar deles agora, Mestre.

         - Muito bem, Titus. Você e Nox vão até Merônio, peguem um ninicruzador, achem esse cargueiro e tragam de volta minha mercadoria, entendido? - ele não esperou uma resposta para dar mais um alerta. - Mas Titus, o mais discreto possível.

         - Como ordenar, Mestre; desligara e Divos se voltou para seu sócio e irmão, Malor. Ele era apenas cinco centímetros mais alto e um ano mais velho.

         - Não podemos chamar mais atenção depois do... incidente no ano passado; alertara ele.

         - Sei que não! Mas com tantas naves e cargueiros por aí, sequer notarão um a menos; concluiu Divos.

 




PARTE TRÊS

 

         Enquanto o último equipamento era descarregado e To'omar ajudava Eluke, o engenheiro da estação a instalar o novo SV, William conversava com o professor Arthur S. Nolan, chefe da equipe de exploração de um buraco negro, localizado a alguns quilômetros da estação. Junto com ele estavam, além do engenheiro, Merone e Zota, dois astrônomos, Torri e Alana dois exobiólogos e Lira, uma assistente. O professor Nolan acertava com eles o restante do pagamento e também saciava suas curiosidades.

         - Dois anos, professor! - surpreendeu-se William. - Não é muito tempo de pesquisa, dado o que se já sabe sobre buracos negros?

         - Há muito tempo acreditava-se que buracos negros poderiam ser uma passagem para outros universos, explicava ele; e estamos perto de saber se isso é possível ou não.

         - Isso não pode ser feito com os buracos de minhoca? - perguntou Mirra.

         - Não, você não entendeu... Estou falando de outros universos, não galáxias!

         - Universos paralelos! - foi a vez de Mirra se espantar. - Muitos tentaram provar isso e até agora não conseguiram...

         - Até agora, minha cara, até agora, disse o professor. - Quem sabe não seremos os primeiros.

         William ficou intrigado com a expressão confiante do professor Nolan e pensou em dizer ou perguntar mais alguma coisa, porém, a voz de Melissa em sua mente interrompeu seus pensamentos.

         "Will, você precisa vir aqui urgente!"

         Ele não quis perder tempo.

         - Nos dê licença, professor? - pedira e Nolan assentiu. Fez um sinal com a cabeça para MIrra acompanhá-lo.

         - O que foi? - perguntou.

         - Eu não sei ainda, foi Melissa quem me chamou, dissera e Mirra ficou séria. Ela sabia que se Melissa usasse de telepatia para contatar um deles, algo de muito grave estava acontecendo ou iria acontecer.

         Eles seguiram pelo caminho que Melissa colocou na mente de William. O mesmo caminho que ela fez pouco mais de quinze minutos atrás quando terminou de atender um dos exobiólogos. Ela usou uma desculpa que tinha esquecido algo na nave e se livrou também do debate que o cientista queria travar com ela a respeito da evolução da vida marinha de Holus. Mesmo estando na primeira vez naquela estação, passou pelos corredores certos e sabia os códigos das três portas que passara com exceção da quarta e última. Aquela voz a chamara de novo:

         "Eu estou aqui. Você pode me ajudar?"

         Ela não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas tinha certeza que havia um prisioneiro ali. William foi a primeira pessoa a quem ela pensou em chamar. E cerca de dez minutos depois ele e Mirra chegaram.

         - Mas o que está acontecendo, Mel? - perguntou William apreensivo.

         - Ele está aqui! - respondeu ela já alarmada. - Não sei seu nome, nem de onde veio, ou porque está aqui, mas o mantém assim há um bom tempo.

         - Não identificou sua língua? - questionou Mirra.

         - Ele se comunica comigo usando nossa língua, e por telepatia! - Melissa explicava. - E eu tenho a impressão que ele estava esperando exatamente por isso.

         - Eu vou falar com o professor Arthur...

         - Pra que, Will! - Melissa o interrompeu. - Se são eles os carcereiros! Devemos contatar logo a Astronáutica e resolver isso!

         - Mas, e se... quem quer que esteja aí, está preso por algo que tenha feito, Mel? - Era Mirra tentando achar uma razão para aquilo tudo.

         - Isso que eu quero esclarecer antes de tomar qualquer decisão, completou William.

         - Gente, olha, tentou Melissa ainda; pelo que eu pude sentir, não acho que ele seja uma ameaça... não! - exclamou assustada.

         - Mas ele é uma ameaça ou ainda será, disse o professor Nolan atrás de William e Mirra. - Ele não está aqui por acaso, e se está preso, é para a segurança de todos. Inclusive a de vocês, afirmou. Ele estava acompanhado de Lira, de Torri e de Merrone. Estes dois últimos estavam armados com pistolas de taser. E todos usavam um aparelho na cabeça, de cor acinzentada, que lembrava fones de ouvido.

         - Professor, o que está acontecendo? - quis saber William tentando ignorar as armas. - Quem vocês estão mantendo prisioneiro?

         - Lembra-se do que eu contei a vocês o porquê estamos aqui? - perguntou o professor Nolan e o próprio respondeu. - Nós viemos aqui na procura das origens do universo! E o ser que está atrás daquela porta é a chave para tudo!

         - Não estou entendendo nada do que você está dizendo, intercedeu Mirra. - Vocês estão violando várias leis aqui! Eu vou agora mesmo... - no que ela deu um passo, fora o suficiente para que aqueles dois acionassem suas pistolas. William calmamente colocou-se na frente de Mirra e também de Melissa.

         - Professor, Arthur, por favor, solicitava ele, contudo, Nolan apenas continuou de onde parou.       

         - Como ia dizendo: há muito tempo venho pesquisando sobre o universo e suas origens e tinha quase certeza que a Terra e nossos demais planetas, nossos sistemas, foram construídos por uma outra raça que eu, e meus colegas, chamamos de fundadores. Já estávamos aqui há um ano, apenas analisando o que pensávamos ser um buraco negro, quando vimos algo sair de lá! Era uma espécie de nave, pequena e esférica, e estava vindo em nossa direção. Estão me entendendo? Todos os nossos instrumentos certificavam que aquilo era um buraco negro, não um buraco de minhoca, mas uma nave saiu de lá! Conseguimos trazer a nave com nosso raio trator, ela parecia avariada... Quando abriu e ele se revelou, não sabemos ainda por que, nos inundou com várias imagens em nossa mente. Imagens de lugares, coisas que sabíamos que não tinham em nenhum lugar do nosso universo conhecido...

         - Muito bem, professor, interrompeu William; essa parte nós entendemos! Mas por que prendê-lo? Não importa de onde veio ou quem é, ainda é um ser vivo...

         - Ele poderia ir embora antes de nos contar tudo o que precisamos saber... Toda a nossa origem, do universo, não vê? - tentou justificar.

         - Ou talvez você só queira os segredos do universo para você mesmo, não é, professor? - pronunciou-se Melissa e todas as atenções voltaram-se para ela.

         - Vocês nos acusam de infringir leis, dizia Lira; mas vocês também o fazem! Não sabíamos que ela era uma telepata!

         - Eu nasci em Europa! - anunciou Melissa. - Isso está implícito!

         - Tem razão, concordou o professor; nos distraímos com tudo isso... Se tivéssemos prestado mais atenção, escolheríamos uma outra nave... - um zunido agudo de um dos rifles deu vez as palavras do professor Nolan e atingiu Melissa. E antes que William fizesse qualquer coisa, um segundo disparo derrubou Mirra. Ainda assim:

         - Professor, não cometa o maior erro de sua vida!

         - Eu já cheguei até aqui, meu caro capitão, sabendo que não haveria volta...

         - Professor... - outro disparo interrompeu seu último intento.

         - O que fazemos agora, Arthur? - perguntou Lira.

         - Continuamos com o plano.

 

PARTE QUATRO

 

 

         - Há algo errado, disse Suno.

         - O que é? - perguntou exasperado Taliseu. Segurava uma tigela com um tipo de pasta laranja. - Você só faz essa cara! Me diga o que está errado!

         - Não sei bem, talvez esteja doce demais, Suno dissera a primeira coisa que veio a mente.

         - Doce demais! É só isso? E o que eu faço: jogo tudo fora e começo de novo? É isso que está dizendo? - e Taliseu estava sério.

         - Taliseu, eu só disse que estava muito doce, mas se você quer jogar fora eu... - um bipe soou no console da cozinha e Suno se sentiu salvo. To'omar apareceu na tela.

         - Suno, William, Melissa e Mirra ainda não voltaram.

         - Ainda não? Isso sim é estranho... Não conseguiu nada com os comunicadores?

         - Não. Parece que estão desligados.

         Isso preocupou Suno. Nenhum dos três tinha o hábito de deixar os comunicadores desligados, salvo em algumas situações.

         - To'omar, chame Otulo e venham até a ponte. Não estou gostando disso!

         Ele assentiu e a tela se apagou. Taliseu então perguntou sem cerimônia:

         - Quer que eu leve um pouco da sopa para ver o que eles acham?            

         Suno não pensou duas vezes.

         - Chame a Liz! - e saiu rapidamente.

         Minutos depois estavam os três na ponte.               

         - To'omar, você voltou antes deles, notou algo de estranho? - perguntou Suno.

         - Nada! Instalei o suporte de vida com o engenheiro deles, configuramos os dados e fui embora. Para mim estavam todos aqui, respondeu.

         - Otulo?

         - Os créditos já estão na nossa conta, se é isso que quer saber... - disse ele e completou: - Talvez estejam papeando. Mirra e William adoram papear.

         - Podia ser, mas quase uma hora de demora e sem sinal dos comunicadores é muito...

         Dois bipes vindos do console ao lado de Suno o interrompeu deixando ele e os dois ressabiados. Esperando que fosse William ou Mirra que iriam ver na tela, quando a imagem do professor Nolan surgiu, os três se surpreenderam.

         - Boa tarde, senhor Suno, cumprimentou com absoluta calma.

         - Hã, boa tarde, professor... Sabe se posso falar com...

         - Seu capitão, sua segurança e sua médica? - completou ele. Isso deixou todos os três mais nervosos.

         - Sim, professor...

         - Eles estão bem, respondeu Nolan apenas.

         - Onde? - interpôs-se To'omar.

         O professor Nolan não respondeu de imediato. Ao invés, a tela mudou de imagem e mostrou Melissa, Mirra e William dentro do que parecia um depósito.                                       

         Suno só teve tempo de por as mãos na cabeça antes do professor Nolan voltar a falar.

         - Como podem ver, eles estão sendo bem tratados e alimentados...

         - Por que está fazendo isso? - questionou Suno. To'omar e Otulo estavam incrédulos.

         - Quero que entendam que não era nossa intenção, algumas coisas saíram do controle e fomos forçados a...

         - Liberte-os agora mesmo antes que chamemos a Astronáutica! - ordenou Otulo.

         - Se fizerem isso, disse o professor; toda essa estação, incluindo seus amigos, virará poeira espacial.

         Suno sentiu sua espinha gelar. Olhou para os dois sem saber o que fazer e To'omar se pronunciou.

         - Está mentindo.

         - Não, não estou! - afirmou Nolan. - Há um explosivo posicionado dentro da unidade de energia da estação. Assim que fizermos a troca, vocês têm a minha palavra que desativarei o detonador. Mas só quando estivermos na nave.

         - Espere, como é que é? - Suno ainda não acreditara no que estava acontecendo.

         - Desculpe-me sr. Suno, eu me adiantei... Eu quero trocar seus companheiros pela sua nave.

         - Quem você pensa que é? - Otulo apontou o dedo para a imagem do professor na tela. - O que fizemos a vocês?

         - Como disse antes, as coisas saíram do controle... Mas se fizerem como pedi, ninguém sai ferido.

         - Que garantias nós temos que você não vai explodir a estação quando estivermos aí, quis saber Suno.

         - Minha palavra, sr. Suno... e fé. Afinal, é o que nos trouxe até aqui, não é mesmo? - concluiu Nolan.

         Suno tomou fôlego para não falar ou agir de forma intempestiva e colocar em perigo os outros.

         - Precisamos de tempo para pensar, disse ele quase rangendo os dentes.

         - Eu percebo que o sr. é um homem razoável... Vocês têm trinta minutos. Me desculpem, mas o tempo urge. E, por favor, não tentem nada! Temos como monitorar vocês quatro. Espero sua resposta, e a imagem do professor Nolan sumiu da tela.

         - Eu vou arrancar o coração dele e cada membro do seu corpo! Depois, vou expô-los em praça pública como os soldados de Opalake faziam antigamente! - sentenciou To'omar.

         - Se ele explodir aquela estação, você não vai nem precisar se dar ao trabalho, rebateu Otulo.

         - Se invadirmos de surpresa, eles não terão nem chance de...

         - Não o ouviu? - Otulo interrompeu To'omar. - Tem tanto pelo assim nesses ouvidos? Eles estão nos monitorando! Qualquer coisa que a gente faça...

         - Espere! - foi a vez de Suno interromper Otulo. - A gente!

         - O que Suno? - Quis saber To'omar.

         - O que ele disse: "temos como monitorar vocês quatro", e encarou os dois esperando que entendessem.

         - Ele não sabe da menina! - disse To'omar.

         - Ele não sabe da menina, reiterou Suno.

         - Eu também não queria saber da menina, disse Otulo, mas os dois deram de ombros.

         Minutos mais tarde, estavam todos na cozinha; Suno já tinha relatado toda a situação a Taliseu e Liz, e aguardava uma resposta dela.

         - Oh, por Ares, eles não vão morrer, vão?

         - Não, Liz... Você não entendeu?

         - Entendi a parte que eu fico escondida... Mas como vocês vão voltar?

         - Usando o nosso TTP, respondeu To'omar.

         - Um teletransporte! - espantou-se Liz. - Vocês têm um aparelho de teletransporte aqui? Mas não é ilegal?

         - Compramos a Ulysses já com o TTP, explicou Suno; Mas nós nunca o usamos... Bom, a não ser para uma coisa ou outra.

         - E se eles descobrirem? - ainda quis ela saber.

         - To'omar analisou o sistema deles, Suno respondia; o máximo que eles podem interpretar é algum pico de energia vindo da Ulysses e só. Diga que você entendeu Liz?             

         - Tá, você vai mandar o barco perto da estação pelo TTP e quando o pessoal estiver livre...

         - Eu te dou um sinal pelo unifone, você aciona o TTP que já estará programado e chegamos aqui são e salvos, terminou Suno de explicar.

         - É muito perigoso, disse Liz.

         - É o único plano que temos, enfatizou To'omar.

         - E com uma falha, seus estúpidos! - falou Taliseu. - Eles vão se mandar daqui assim que pisarem na nave!

         - O fantasma só está programado para responder a um de nós, incluindo a Liz, disse Suno. - E mesmo que consigam desprogramá-lo, é o tempo da gente voltar, tudo certo? - e olhou para Liz.

         - Tudo, Suno, eu posso fazer isso! - afirmou.

         - Muito bem, To'omar vai com você ensiná-la a operar o TTP e nós o esperamos na doca.

         - Vamos logo, apressou-lhes Otulo.

         - Liz, vai dar tudo certo! - enfatizou Suno e ela assentiu.

         Enquanto isso, a alguns quilômetros de distância da Ulysses e da estação, um minicruzador turino, classe beta, se aproximava cada vez mais. Seus dois ocupantes ponderavam qual a próxima ação a tomar.

         - Bom, é o próprio, um cargueiro Zomyl, disse Nox.

         - Certo, quer ir ou vou eu? - perguntou Titus.

         - Eu vou! - respondeu o armore. - Assim que chegarmos, dispare na estação também. É melhor não termos nenhuma testemunha.

         - Muito bem, respondeu Titus enquanto seu parceiro caminhava em direção ao TTP da nave.                                 

 

PARTE CINCO

        

         - Você não está autorizado a operar este sistema, disse Max pela terceira vez; por favor, diga o código correto ou chame alguém autorizado.

         Apesar da voz calma e do rosto holográfico quase sem expressão, Lira, que estava no banco do piloto, e Eluke, sentado no do co-piloto, já estavam perdendo a paciência.

         - Pode reprogramá-lo? - perguntara Nolan que também estava ali.

         - Sim, posso, respondeu ela; os Maximum 5000 não são tão complicados... Mas vai demorar um pouco...

         Coube apenas ao professor Nolan resignar-se e esperar que tudo corresse como tinha planejado. Ordenou então para sua assistente:

         - Quando tiver terminado, trace um curso para Semorô. - e tanto ela quanto o engenheiro ficaram surpresos.

         - Arthur, achei que íamos para Totti, disse ela.

         - E Semorô ainda faz parte do Império, completou Eluke como se Nolan não soubesse.

         - Semorô é praticamente uma fronteira entre Haru e Numade, explicou ele num tom didático. - Tenho amigos em Kroto. Qualquer problema, estaremos protegidos.

         - Programarei o curso assim que o Maximum estiver pronto, Arthur, disse Lira e ele agradeceu.

         - Me chamem quando estivermos perto, vou trabalhar em alguns dados... Estarei no alojamento do capitão Rocha, os dois assentiram e ele saiu.

         Na doca um, Alana e Torri ajudavam Merroni no carregamento e na checagem dos equipamentos. Foi quando um deles estava chegando ao elevador que as coisas começaram a se complicar.

         - Você, onde está a menina? - gritou uma voz forte e rouca. Quando Torri se virou, deparou-se com um enorme armore com uma pistola de energia.                     

         - Eu... não sei quem... - seu pavor era visível, mas Nox sequer se importou.

         - A menina! Me leve até a menina agora!

         Alana e Merroni ouviram o que pensaram ser uma discussão e, ao ver o que estava acontecendo, pouco souberam o que fazer.

         - Quem é você? - perguntou Merroni. Ele recebeu o disparo da pistola em resposta. Alana só se mexeu quando recebeu o segundo disparo e caiu. Torri então correu. Foi a única coisa que pensou em fazer naquele momento. No entanto, ele não sabia para onde ir, não conhecia a Ulysses, e acabou encurralado entre a entrada no que chamavam de Casa das Máquinas e o depósito de peças e acessórios. O terceiro disparo da pistola de Nox decidiu por ele. Ele não demonstrou qualquer emoção. Guardou sua arma e entrou no elevador.

         Liz viu tudo.

         Estava escondida dentro de um falso painel, que To'omar havia feito, e rezou como pôde para que Ares a protegesse.

         Alguns minutos depois, o professor Nolan ainda estava no quarto trabalhando em sua pesquisa, quando soou um assovio do painel da mesa.

         - Pode entrar, disse apenas e ao se virar surpreendeu-se, porém, tentou ficar calmo. Ele não reconheceu o homem que prendia Zota com uma chave de braço e apontando a pistola para a cabeça dele. - Quem é você e o que quer? - perguntou ele tentando ganhar tempo.      

         - A menina! - gritou Nox. - Me entregue a menina e vocês viverão!

         - De que menina você está falando...

         - Não me engane! - ele grudou as duas hastes da pistola na cabeça do astrônomo.

         Arthur Stanley Nolan não sabia de que garota aquele grandalhão falava, mas imaginava que ele se referia a Mirra ou Melissa.

         - Muito bem, vamos ter calma... Ela não está aqui, disse ele e o armore e seu refém se aproximaram; ela está na estação.

         O professor temeu por sua vida ao revelar a localização do alvo daquele caçador. Porém, foi a vida de Zota que se esvaiu diante dos seus olhos. O som de uma pistola fásica KL cinquenta é tão seco e baixo que Nolan só percebera o que tinha acontecido quando seu colega caíra como um boneco no chão. Nox então lhe apontou a arma.

         - Por favor, não... - começou a implorar. Queria ainda ganhar tempo, olhava para o seu colega que o olhava de volta. Um olhar sem alma, entretanto. Então veio um outro assobio do painel que pareceu surpreender tanto ele quanto o armore.

         - Arthur, você ainda está aí? - Lira aparecera na tela, mas ele estava com toda sua atenção voltada para aquela pistola. Mesmo sem resposta ela continuou. - Arthur, onde estiver, venha rápido para a ponte! Há uma... nave vindo em nossa direção! Nunca vi uma assim antes... Venha rápido! Eu acho que...

         A transmissão foi cortada, de repente. E quando o professor Nolan tencionou fazer algo, Nox encostou a pistola na cabeça dele e disse "não". Ele resolveu tomar coragem:

         - Não há tempo para isso! - exasperou-se. - São eles, eu sei! Vieram buscá-lo... Eu sabia que isso iria acontecer cedo ou tarde... - parava alguns segundos, mas o armore ainda apontava a pistola para ele. - Esqueça a menina! Não sei que negócios inacabados você tem com eles, mas se ficarmos aqui, vamos todos morrer!

         - Você é o único que vai morrer aqui! - sentenciou Nox antes de disparar sua KL. O feixe atingiu o monitor do console, enquanto ele e Nolan estavam se agarrando no chão.

         - Vocês não entendem! Ninguém entende! - vociferava o professor tentando pegar a arma, contudo, Nox fez jus ao seu tamanho e força e empurrou Nolan. Ele bateu forte com a cabeça no painel. Grogue, mal conseguia focar sua visão e apenas viu a enorme silhueta de Nox vindo em sua direção. Não achou que morreria daquele jeito; havia tanto para fazer ainda, chegou a pensar. E contraditoriamente, sentira uma certa paz, um peso sendo tirado das suas costas. Ouviu o disparo. Esperou a dor, o corpo tremer, o sangue arder como se pegasse fogo. Ao invés, ouviu uma voz familiar:

         - Professor Arthur Nolan, você está preso! - anunciou William, apontando-lhe uma arma.                                      

 

PARTE SEIS

 

         Cerca de duas horas atrás, William acordava. Sentiu dor e imediatamente levou a mão ao braço esquerdo. Estava dormente, como também, sua perna esquerda. Quando focou melhor sua visão, viu Melissa sentada em um canto com as pernas cruzadas. Mirra então se aproximou dele.

         - Eles usam um modelo antigo do MR-08, dizia ela ajudando-o a se sentar; já se passou uma hora e minha perna ainda está formigando.

         - Uma hora! - espantou-se.

         - Pelos meus cálculos sim. Tiraram nossos comunicadores.

         - O que ela está tentando fazer? - quis ele saber.

         - Entrar em contato com quem quer que tenham prendido. Ouvi barulhos logo quando acordei... Acho que o mudaram de lugar.

         - Se não estivessem usando bloqueadores, não estaríamos aqui, lamentou ele enquanto movimentava seu braço.

         - Acho que só percebi quando estava no chão! - disse Mirra. - Aquelas coisas são caras, como as conseguiram? - questionou, mas William não soube responder.

         - O que eu quero saber é como saímos daqui! Ela não descobriu nada ainda?

         - Nada! E se todos estiverem com bloqueadores!

         - E os rapazes! - lembrou William. - Será que não notaram nada de estranho na nossa demora?

         - Vai saber o que disseram a eles...

         - Ainda assim... Suno vai perceber que há algo errado...

          E enquanto os dois conversavam e pensavam em uma maneira de sair da sua prisão, Melissa tentava se concentrar o melhor que podia. Então, de repente:

         "Melissa, você pode me ajudar?", perguntara aquela mesma voz. Ela temeu perder o contato. Apesar da suavidade, a voz dele estava tão alta que parecia que ele estava ao seu lado, usando um microfone.

         "Ainda bem que está vivo. Onde você está?"

         "Em alguma nave."

         "Nave, mas que nave? Para onde o estão levando?"

         "Para algum lugar. Você pode me ajudar?"

         "Ainda estamos presos... Acho que somos nós que precisamos de ajuda! Mas quem é você afinal?"

         "Eu sou você, Melissa. E você sou eu."

         "Não sei se entendi... De onde você veio?"

         "Venho do mesmo lugar que todos nós viemos. Ah, mas não se preocupe mais Melissa, eles chegaram. Pensei que não conseguiriam me encontrar."

         "Eles quem? Não estou entendendo nada do que você está dizendo! Talvez se..."

         "Vocês entenderão no momento certo. Obrigado, Melissa."

         - Mas eu não fiz nada! Quem são essas pessoas que você mencionou? E onde...

         - Mel! - gritou William e ela abriu os olhos. Não havia percebido, mas falava em voz alta e todos eles estavam ouvindo. Não apenas William e Mirra, mas também Suno, To'omar, Otulo e Taliseu.

         - Por Deus, ainda bem que nos encontraram, disse Melissa se levantando. - Onde estão o professor e os outros? Acho que conseguiram fugir e levaram o... eu não sei o nome dele ou de onde veio...

         - Já sabemos disso, falou Suno e, só então, Melissa percebera um estranho silêncio em todos ali.

         - O que foi, pessoal? O que está acontecendo?

         - Eles estão com a Ulysses, respondeu Mirra prontamente.

         - O que... Não! Como?

         - Eu explico no caminho, disse Suno; mas temos que ir agora!

         - Mas para onde vamos se não temos mais nave? - quis Melissa saber ainda.

         - Nós não perdemos a Ulysses... Pelo menos ainda não, dissera William.

         - Não estou entendendo mais nada, resignou-se Melissa.

         - É o plano maluco do Suno, declarou Taliseu.

         - Mas que plano? – indagou ela.

         - Apenas me leia, Melissa, sugeriu Suno e ela o fez. Então:

         - Oh, meu Deus! - exclamou. Suno e William foram os únicos que soltaram um leve sorriso.

         - Viu, ela também acha que o plano é maluco!

         - Eu não disse isso, Tali! Isso vai dar certo? - perguntou ela para Suno e William. E foi ele que respondeu.

         - Não vou perder a Ulysses para aqueles loucos!

         - Tudo bem, vamos, concordara Melissa e todos seguiram em frente. Mas com alguns resmungos de Taliseu e Otulo. Chegaram a um dos portões de atracamento e precisavam agir rapidamente.

         - Coloquem os trajes, o barco está logo abaixo da plataforma, e todos obedeceram Suno. - Será como um passeio no parque, pessoal!

         - Só se for pra você! - retrucou Taliseu.

         Ninguém disse mais nada quando a comporta de entrada fechou-se atrás deles. Tiveram que esperar que todo o oxigênio fosse retirado do corredor para só então abrir a primeira comporta. Então, um de cada vez, saíram flutuando para o espaço; os trajes eram equipados com conduítes de manobra. Ficavam acoplados nos cotovelos, nos joelhos, nos calcanhares, na cintura e nos ombros. O ar comprimido que saia por eles, os ajudavam a se locomover no vácuo. Guiados por Suno, chegaram logo ao barco, que estava a pouco mais de cinco metros da estação. To'omar foi o último. E devido ao aperto e a pressurização, não puderam tirar os trajes, mas podiam se comunicar.

         - Todo mundo bem? - perguntou Suno sentado na frente.

         - Melhor impossível!- ironizou Otulo. Tentava ficar confortável entre To'omar e Melissa.

         - Certo, vou mandar o sinal para a Liz agora, disse Suno.

         - Que Lorde Makki, Senhor Todo-Poderoso do Sétimo Mundo, guie nossas almas eternas para o Grande Vale Dourado, proferiu Taliseu com as palmas das mãos voltadas para cima. Mirra ficara intrigada e resolveu questioná-lo.

         - Taliseu, você não disse uma vez que esse Lorde Makki é como um deus dos mortos do seu povo?

         - Sim, é isso mesmo, confirmou.

         Mirra preferiu ficar em silêncio. E todos permaneceram assim pelos dois minutos seguintes. Foi William que resolveu quebrá-lo.

         - Tem certeza que o sinal chegou, Suno?

         - Chegou sim, confirmou ele. - Talvez se...

         Um breu repentino o interrompeu. Foi como se não houvesse mais nada durante um segundo. Então um clarão de luzes e cores explodiu como se o universo tivesse acabado de nascer. Aos poucos, a visão foi focando e todos reconheceram as paredes cinzentas, os diversos tubos de energia e água, e as duas plataformas da doca um da Ulysses. Taliseu foi o primeiro que quis sair. Porém, William o lembrou que eles teriam que esperar mais cinco minutos para que o sistema fizesse o diagnóstico em seus organismos. Quando enfim foram liberados, Taliseu praticamente pulou do barco, tirou o capacete e deitou-se naquele piso gelado, agradecendo seus deuses por tudo que conseguia se lembrar. Liz apareceu logo depois enquanto os outros tiravam os trajes. Melissa foi a primeira que ela abraçou.

         - Graças a Ares! Pensei que ele ia me achar e me matar antes que vocês chegassem aqui!

         - O professor Arthur tentou matar você? - perguntou Melissa espantada.

         Ela negou e contou rapidamente o que tinha se passado. Do intruso que havia se teleportado para a nave e matado a sangue frio três dos cientistas.

         - Mas quem é esse cara? - perguntou William.

         - Não sei ao certo, ia dizendo Liz; mas acho que ele trabalha para o senhor Divos... Para quem meu pai me vendeu.

         Todos se olharam e William resolveu assumir sua posição.

         - Melissa, pode ficar com eles? - ele se referia a Otulo, Taliseu e Liz. Ela assentiu. - Muito bem, o resto comigo... To'omar...

         - Eu pego, disse ele já sabendo o que William queria. Fora para os fundos da doca enquanto os outros três foram em direção ao elevador. To'omar voltara quase em seguida carregando uma grande mochila. Deixara um ar apreensivo nos demais.

         - É melhor nos protegermos ali no depósito, sugeriu Melissa e todos atenderam.

         - Qualquer dano mais sério nessa nave e estaremos falidos, reclamou Otulo. - Só espero que William e Suno não...

         - Otulo, eles sabem! - interrompeu-o Melissa. E quando estava prestes a entrar com eles e fechar a porta, algo a impediu. Algo que só ela pode sentir, que só ela pode ver. E pensou que seria algo que só ela poderia fazer.

         - Eu tenho que ir, disse apenas e já ia deixá-los.

         - Ir pra onde, Mel? - perguntou Liz. - Você parece estranha... O que vai fazer?

         - Não se preocupe...

         - Como não vou me preocupar! Esse cara é como um mercenário! É perigoso, Mel!

         - E é por isso que vocês devem ficar aqui, e a porta fechou-se à sua frente. Liz teve que se lamentar com Otulo.

         - Mas o que ela vai fazer? - perguntara. E antes que Otulo lhe respondesse, Liz apontou para onde estava Taliseu. - O que ele está fazendo?

         - De novo não, Taliseu! - dissera ele quando o viu em um canto, sentado com as palmas da mão para cima, orando para O Grande Lorde Makki.

 




PARTE SETE

 

         To'omar chegara ao elevador onde os três o aguardavam. Depositara a enorme mochila preta e pesada no chão e a abriu para que todos pudessem se armar. Havia cinco pistolas e três rifles. Cada um deles pegara uma; To'omar, além da pistola, também pegara um dos rifles. Quando fechou a mochila e a deixou num canto, percebera três corpos ali ao lado. Eles estavam com os braços cruzados sobre o peito com as palmas da mão bem abertas. Soube na hora que fora Mirra que os deixara assim. Seu povo acreditava que dessa forma nenhuma outra alma tomaria um corpo alheio.

         - Vamos pegar nossa nave de volta! - declarou William e todos entraram no elevador. - Vocês vão até a ponte, Mirra e eu vamos para os alojamentos.

         - Posso matar o desgraçado que fez aquilo? - perguntara Mirra se referindo aos três cientistas.

         - Pode, respondeu William e desceram no andar dos dormitórios.

         Assim que o elevador se foi, os dois viram uma estranha movimentação exatamente no quarto de William. Ele dera um sinal para que ele e Mirra se aproximassem devagar e em silêncio. Porém, ao ouvirem um disparo, ambos se apressaram e Mirra tomou a frente. Ao chegar na porta, ela viu um truculento homem que reconheceu como um nativo armore. Estava pronto para atirar no professor Arthur, mas foi ela quem disparou primeiro. Ele caiu bem ao lado dele. Temendo que Mirra fizesse algo pior, foi a vez de William tomar a frente dela.

         - Professor Arthur Nolan, você está preso! - anunciou William diante do seu olhar incrédulo.

         - Mas como chegaram aqui? Vocês me...

         - Nem começa! - disse Mirra. Ela e William agarraram um braço do professor cada e o levantaram.

         - Espere, espere, vocês não entendem... eles estão aqui! Vieram buscá-lo! Eu temia isso... Temos todos que fugir agora! - os dois percebiam o desespero de Nolan, mas sua face já machucada pelos socos que levara, deixara a certeza do fim da sua sanidade.

         - Leve-o para baixo, pediu William a Mirra; vou até a ponte com os outros...

         - Isso, isso! Se não acredita em mim, verá com seus próprios olhos! - exaltara-se, mas foi logo empurrado por Mirra.

         - Vamos logo! - ordenou.

         Enquanto isso, Melissa perscrutava toda a doca tentando achá-lo. Não estava mais conseguindo um sinal telepático, sequer um sussurro, porém, vira uma enorme caixa que lembrava um caixão. Tinha quase quatro metros de comprimento e resolveu chegar perto para verificar, contudo, um breu repentino a impediu. Um blecaute deixara a Ulysses toda no escuro. Suno e To'omar se viram sozinhos na ponte com Eluke e Lira; William ficara preso em um dos elevadores; Liz e Otulo começaram a rezar com Taliseu; e o professor Nolan aproveitou a distração do blecaute para golpear Mirra e escapar dela. Mas sem saber para onde ir.

         Melissa também não sabia para onde ir. Sequer as luzes de emergência foram acesas. Ela então começara a tatear na mesma direção que viera, no entanto, um balançar da nave a fez ficar de joelhos. Houve um estrondo forte vindo diretamente à sua frente e ela sabia exatamente o que era, mas não acreditava. A comporta estava se abrindo; ela levantara-se para correr, contudo, em vão. Havia na doca várias caixas com os equipamentos que os cientistas trouxeram e foi tudo jogado para fora da Ulysses, inclusive ela. Melissa estava só com parte do traje; tinha tirado o capacete que continha, ao menos, três horas de oxigênio. O suficiente para ser resgatada. Mas só via se afastando mais e mais da nave e era questão de segundos para sentir os efeitos do vácuo em seu corpo. Fechou os olhos. Pensou que era a única coisa que poderia fazer. Então, nada. Deveria ter passado minutos desde que ficou à deriva no espaço, mas não estava sentindo nada. Nem mesmo frio ou calor. Resolveu abrir os olhos e ficou estupefata. Tudo havia sumido. A Ulysses, estrelas, planetas, era um imenso vazio branco. Percebera, de repente, que respirava de alguma forma, portanto, estava viva. E sentira uma presença. Não sabia quem ou o que era. Quando virou-se para trás o viu. Pela primeira vez, o viu. Era alto; Melissa calculara uns três metros, ao menos. Usava uma espécie de túnica, longa, cobrindo do pescoço aos pés, que dividia perfeitamente um vermelho escarlate e um cinza fosco. Seus olhos eram grandes e brilhavam um azul tão claro que Melissa quase não acreditava que fossem de verdade; notou que não tinha cabelos ou qualquer outro tipo de pelo em sua pele rosada. Ele falou então:

         - Olá, Melissa, dissera. Ela achou estranho ouvir aquela voz tão suave e calma da própria boca dele.

         - Onde estamos?

         - Você está bem, não se preocupe. Só quis lhe agradecer mais uma vez.

         - Agradecer? Mas não fizemos nada! Não conseguimos fazer nada para ajudá-lo.

         - Pelo contrário, se não fosse pela intervenção de vocês, nunca teriam me achado.

         - Mas afinal quem são vocês? De onde vieram? O professor Arthur estava certo sobre vocês?

         - O que você acha, Melissa?

         - Eu não sei exatamente o que achar...

         - Nós somos o que no seu planeta são chamados de engenheiros, arquitetos, biólogos, químicos e físicos. Em uma das nossas incursões, encontramos um universo prestes a nascer. Incutimos vida em algumas daquelas estrelas e esperamos para ver quais floresceriam e se desenvolveriam.

         - Está me dizendo que vocês... vocês, seja lá quem forem, são nossos deuses!

         - Melissa, se para vocês Deus é um ser onipresente que tudo pode com um estalar de dedos, então não, não somos deuses. Criadores ou até fundadores, como o professor Arthur nos chamou, é a melhor definição.

         - Quer dizer que nós, tudo isso, foi obra de vocês?

         - E você ainda não acredita. Mas essa não é a sua real dúvida, é Melissa?

         Ela se esquecera, com toda aquela conversa, que ambos eram telepatas. Então o questionou.

         - Se vocês nos criaram... quem criou vocês?

         Ele tomou alguns segundos antes de responder.

         - Deus.

         - Como é que é?

         - O que foi, Melissa, não podemos acreditar na existência de um deus, um criador ou um fundador?

         - Hã, sim... talvez, eu acho... Mas depois de tudo que você me contou eu...

         - Até algumas horas atrás vocês sequer sabiam da nossa existência e chamavam seus criadores de Deus. Não sabemos ainda quem nos criou. Denominei de deus para o seu entendimento.

         - Eu não sei se entendo nem se acredito em tudo isso.

         - Não há porque se preocupar com isso agora, Melissa. Vocês ainda são crianças. Estavam engatinhando e a recém começaram a andar. Ainda há um longo caminho para percorrerem; a porta para o próximo estágio está longe, mas a chave já está com vocês. Nunca se esqueça disso.

         Ele então começara a se afastar, lentamente dela, até quase desaparecer. Por um momento, Melissa não soube o que mais dizer. Foi ele que falou, como se respondesse a uma pergunta dela.

         - E não se preocupe com o professor Arthur, ele encontrou o que procurava.

         - Espere! gritou ela. - Eu tenho mais perguntas! Não vá! - mas foi em vão. Havia sumido por completo deixando-a naquele branco sem fim. 

         De repente, tudo que era branco ficou negro em um segundo. Ainda assim, ela não parava de dizer: "Não vá, eu tenho mais perguntas!", até ser despertada por William.

         - Mel, Mel, acorde, sou eu, disse e ela abriu os olhos. Demorou um pouco para se orientar. Não sabia exatamente onde estava, e nem quanto tempo tinha se passado, mas se acalmara quando viu todos ali em sua volta.

         - Onde estou? - perguntou.

         - No seu escritório, respondeu William. Ela então percebeu que estava deitada em uma das macas do ambulatório sem entender como chegara ali. William ajustou a cama para que ela pudesse ficar sentada e Liz, outra vez, foi a primeira a abraçá-la.

         - Ficamos preocupados quando encontramos você desmaiada, disse ela quase chorando.

         - Desmaiada... Onde?

         - Você estava na doca um, respondeu Mirra.

         - Na doca! - surpreendeu-se. - Mas eu fui jogada para fora quando a comporta se abriu, disse ela e fora a vez deles se surpreenderem. William lhe deu uma explicação.

         - A comporta se abriu mesmo. Mas assim que se fechou e a energia voltou, descemos e vimos você deitada lá.

         Ela não sabia como voltara para a nave, no entanto, ainda se lembrava de tudo que acontecera.

         - O que houve, Mel? Parecia que você chamava alguém, quis William saber.

         - Eu o vi! Falei com ele antes que fosse embora, dissera e todos ficaram curiosos.

         - O que ele disse? - perguntou Suno, Mirra e Liz ao mesmo tempo.

         Melissa não sabia se devia contar tudo ou não. Nem ela entendia o significado daquilo tudo. Ao menos, ainda não. Resolveu naquele momento dizer apenas o necessário. E mais tarde, quem sabe, revelaria o resto.

         - Ele apenas nos agradeceu pela ajuda e por tentar protegê-lo.

         - Acho que somos nós que temos que agradecê-lo, disse William.

         Então Melissa lembrou-se de outra coisa que o alienígena havia dito. Ficou receosa com a possível resposta, contudo, teve que ter certeza.

         - Will, onde está o professor Arthur?

         - Sumiu, evaporou-se! Me derrubou assim que a energia acabou. E quando voltou, não o encontramos mais, respondeu Mirra.

         Começara um princípio de debate ali. Melissa se sentira um pouco culpada e pensara em dizer tudo logo. Porém, William se pronunciou.

         - Pessoal, Melissa já está bem. Vamos voltar todos aos nossos afazeres e qualquer novidade...

         Cada um então foi deixando o ambulatório com ora um abraço, ora um beijo em Melissa. O último foi William, mas ela o deteve um pouco mais.

         - O que vai fazer, Will?

         - Marcamos curso para a próxima estação avançada. Infelizmente temos três detidos e quatro corpos para relatar...

         - Não sei se entendi tudo que houve...

         - Acho que nunca entenderemos... pelo menos, não por agora, dissera William. Melissa tencionou dizer algo, mas foi o próprio que interrompeu seu possível intento. - Liz, pode ficar com a Melissa um pouco? - pedira.

         - Claro que sim! - respondeu prontamente e ainda abraçada a ela.

         - Serei paparicada até quando? - perguntou Melissa.

         - Até segunda ordem, brincou ele e saiu.

         Cerca de dois meses depois, William estava em seu alojamento digitando seu diário.

         "Diário do capitão, data da Terra: dezessete de Junho de 4.985. Depois do incidente ocorrido na estação científica, prestamos um longo e cansativo depoimento na Estação Orbital Andrômeda Dois sobre tudo o que aconteceu. A Astronáutica ficou bastante curiosa a respeito do alienígena, mas somente os dois cientistas restantes vão poder lhes dar maiores informações. Devemos tomar mais precaução depois disso tudo, contudo, esse é um risco inerente neste trabalho e todos aqui estão cientes disso. Chegaremos na Terra em aproximadamente sessenta dias. Depois de tudo, uma semana de folga não fará mal a ninguém."

         Nisso, uma campainha tocou e William autorizou a entrada da sua convidada.

         - Mandou me chamar, Will? - perguntou Liz ainda na porta.

         - Sim, Liz, sente-se aqui, apontara uma cadeira bem ao seu lado e ela obedeceu. - Muito bem, parece que a sua situação será regularizada. As autoridades em Marte serão notificadas e a sua... transação cancelada, ou seja, você está livre.

         Ela nem fez questão de se conter. Mal as lágrimas chegaram aos seus olhos, ela já estava abraçando William. Ele retribuiu e pediu-lhe para se acalmar. Então continuou.

         - Que bom que ficou feliz, mas tem mais duas coisas que eu quero lhe falar... Uma é que seu pai será processado e possivelmente preso pelo que fez, William parou por alguns segundos pensando na reação que Liz teria. No entanto, ela apenas disse um "hum, hum" enquanto secava seu rosto. William resolveu respeitá-la e continuou. - Certo... Veja, não estamos nadando em dinheiro, mas todos gostaram de você aqui e apreciaram sua ajuda. Se você quiser ficar, mesmo com um salário baixo, podemos... - e ela o abraçou de novo. Porém, desta vez, não parecia que ia largá-lo logo. - Oh, ok, você gosta mesmo de abraçar, não é? Vou considerar como um sim!

         - Sim, claro! Eu gostei de todos vocês também! Nossa, eu nem acredito! - disse ela enquanto se recompunha.

         - Muito bem, assistente Lizzenna, assuma seu posto! - ordenou ele.

         - É pra já, capitão! - respondeu ela prestando uma espécie de continência. Ia saindo, mas deteve-se. - Nossa, você digita seu diário?

         - Sim. Sei que é um modo antigo, mas eu gosto. Você sabia que séculos atrás usavam papel e tinta para escrever?

         - Papel e tinta, o que é isso? - perguntou e William apenas fez um 'não se incomode' com a cabeça e ela foi-se.

 

*

 

         Semanas depois, Melissa e Mirra andavam apressadamente no meio de uma multidão bem no centro da cidade. Faziam compras durante suas pausas e procuravam algo. Tinham despistado Suno e William e não podiam demorar muito.

         - Tem certeza que é por aqui, Mel? - Mirra já estava impaciente.

         - Claro que sim, não se preocupe, dissera Melissa sem ter realmente certeza.

         - Mel, vamos voltar! - ordenou Mirra repentinamente e puxando Melissa pelo braço.

         - Calma, Mirra, eu sei onde é! - tentou deter a amiga um pouco mais e então, por pura sorte: - Olha! É ali! - apontou para uma pequena loja de roupas com uma fachada discreta que apenas dizia: Vestuário Fino - Roupas e Acessórios.

         - Certeza, né! - falou Mirra, ainda segurando Melissa pelo braço.

         - Absoluta, afirmou. Então ela puxou Mirra para a vitrine da loja. - Ah, é esse mesmo! - indicara um vestido longo e vermelho que ora brilhava um dourado, ora um prateado.

         - Eu não vou usar isso! - sentenciou Mirra apesar dos olhos arregalados.

         - Claro que você vai! - foi a vez de Melissa dar a ordem. - O aniversário dele é mês que vem e você não vai de qualquer jeito!

         - Mas, Mel, eu...

         - Sem mas, entra logo! - e empurrou Mirra loja adentro. Porém, ela mesma fora empurra por alguém, que empurrou alguém, que empurrou alguém. Ela cambaleou, mas o homem que trombou com ela a segurou.

         - Me desculpe, disse ele.

         - Não foi... nada... - respondeu a gentileza e subitamente ficou intrigada com sua aparência. Era alto, caucasiano, mas com a pele ligeiramente rosada; e reparou em seus olhos: um azul tão vivo que não pareciam de verdade. Por reflexo prestou atenção em sua cabeça e admirou-se com sua vasta e grossa cabeleira negra.

         - Você está bem? - perguntou ele.

         - Sim, estou sim. Obrigada, respondeu. Ele assentiu com a cabeça e foi embora.

         - Você o conhece? - quis saber Mirra.

         - Não, acho que não, disse ela vendo aquele estranho se afastar mais e mais.

         - Então vamos logo ou eu desisto!

         - Não mesmo! - e empurrou Mirra de volta a loja. Contudo, não deixou de pensar: "e se". Resolveu deixar aquilo de lado. Quem sabe um dia teria todas as suas respostas.


Comentários

  1. Depois de muito tempo, consegui terminar esse troço! Sie que não é A HISTÓRIA, é algo simples onde procurei homenagear, se não turo, algumas coisas que eu gosto em FC. Espero que consigam ler, ao menos!

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