Por Dentro


 
Eva achava que tinha a vida perfeita até que seus pais foram mortos em um acidente de carro. Ela então descobre que foi geneticamente criada para ser o humano perfeito, que possuía dons que sequer imaginava ter, e sua vida comum vira do avesso. Ela conta agora com a ajuda de aliados para lutar contra aqueles que a criaram e a querem como uma arma. 

PARTE UM

Eva despertara. Não sabia exatamente quanto tempo tinha dormido, mas teria que agir logo. Surpreendeu-se com sua cela, na verdade um quarto. Sentou-se no colchão macio da cama e observou as paredes brancas acinzentadas e os poucos móveis simples que ocupavam o lugar. Reparou na janela. Ela deixava uma claridade quente iluminar o local, mas era totalmente hermética. Olhou para a porta, bem à sua frente. Era óbvio que estava trancada - pensara ela - e começara a imaginar que tipo de tranca teria quando, de repente, alguém a abriu. Uma mulher entrou, alta e corpulenta, vestia uma espécie de macacão azul escuro. Não queria, mas sentiu-se confortável por ela também ser negra. Sua voz era forte e grossa, mas não ameaçadora.
- Que bom que já está acordada, disse ela depositando uma bandeja com um copo de suco de laranja, uma xícara com café com leite, dois pães de forma e algumas bolachas de água e sal.
- Onde estou? - perguntou Eva. A sua guarda, pensara assim, havia trancado a porta logo que entrou. Mas Eva podia abrir outras portas. Prescrutou a mente dela e viu boa parte do caminho que ela fazia. Não era o lugar todo, mas era um começo.
- Não se preocupe, o doutor Aldo já vem falar com você, respondeu. - Coma e fique à vontade, você está em casa, e se retirou.
- Só se for sua casa! - disse Eva para si. Agora tinha certeza de onde estava. Não sabia quem era o doutor Aldo, mas com certeza era uma instalação do Departamento de Pesquisa e Estudo Científico. Era hora de seguir com o plano. Um plano que não funcionou exatamente como queriam, no entanto, teria que fazer acontecer. Duas semanas atrás ela, junto de Clara e Lúcio, discutiam o que seria uma ação ousada: invadir uma unidade do DEPEC e expor suas reais atividades.
- Nós não vamos explodir um prédio! - sentenciou Clara. Protetora e amiga de Eva, muitos a subestimavam por confundir sua aparência jovial, loiros lisos, pele alva e intrigantes olhos verdes com uma indefesa inocência.
- Pode parecer extremo, mas é a nossa chance de chamar a atenção do país e do mundo do que é na verdade o Departamento! - enfatizou Lúcio. Ao contrário de Clara, ele deixava transparecer uma agressividade fria. Sua reputação deixava outros, se não com medo, preocupados. E se não fosse por seus olhos verdes e barba e cabelos loiros levemente grisalhos, ninguém diria que ele e Clara são pai e filha.
- Pessoas podem morrer, ressaltou Clara; pessoas inocentes que mal sabem para quem trabalham!
- Há sempre danos colaterais em uma guerra, Clara! - rebateu Lúcio.
- Nós não estamos em guerra!
- Estamos, Clara, e quanto mais cedo você aceitar...
- Olha aqui...
- Pessoal, chega! - Eva achou por bem interrompê-los. Uma dinâmica familiar que estava se tornando corriqueira. - Lúcio, não vou participar de algo que envolva mortos e pronto.
- Eva, nós precisamos...
- Precisamos ser os mocinhos, Lúcio! Temos que ser diferentes deles ou nada disso fará sentido.
Lúcio a fitou sério e resignado. E depois mirou Clara. Do mesmo modo.
- Vejo que a treinou bem.
- Você não faz nem ideia, disse Clara trocando um sorriso com Eva. Lúcio cerrou mais ainda seu semblante.
- E o que as duas querem fazer então? - perguntou.
- O mesmo que você, mas sem exageros, explicou Clara. - Entramos, roubamos todos os dados que eles tem do programa e divulgamos na rede.
- O estrago será bem maior do que explodir qualquer coisa, completou Eva.
No papel, parecia perfeito. Mas naquele quarto, sozinha, se dera conta que nem tudo sai como se planeja.
Nisso entrou um homem - "com sua licença" - tinha dito. De estatura média, e de sóbrios cabelos e barba pretos, usava um avental branco por cima de um terno cinza que denunciava quem era.
-   Espero que esteja mais confortável.
- Bom, tirando a tranca eletrônica na porta e a câmera escondida na lâmpada do teto, é quase um quarto de hotel, disse. Estava sentada na cama de pernas cruzadas.
-  Como soube da câmera? - perguntou ele sorrindo. - A mulher que veio me trazer o café, tentou disfarçar, mas olhou para o teto duas vezes, pensara rápido. Para tudo dar certo, eles deveriam acreditar que suas habilidades estavam suspensas.
- Certo, meu nome é Aldo, aliás, sou o superior médico e psiquiátrico dessa unidade. 
Aldo mantinha uma distância, e ela sabia o porquê, contudo, invadiu sua mente sem cerimônia para ver o quanto o doutor sabia sobre ela. Mas incrivelmente só viu uma enorme e vasta floresta. Árvores, lagos e até passarinhos cantando. E mais nada. Não soube dizer se Aldo percebeu sua surpresa através das suas lentes quadradas, mas tentou ela disfarçar ao máximo.
- Por que não damos uma volta, Eva? - perguntou ele. Ela sabia que não era exatamente um pedido.
- Vou ganhar um tour pelo lugar?
- Mais tarde, quem sabe, respondeu.
Parte dela não se sentiu a vontade. Ela vestia um macacão branco e tinha disponível um par de sapatilhas da mesma cor. 
- Ninguém vai reparar, inclusive eu, dissera para logo depois abrir a porta e deixá-la passar. Começara a se sentir apreensiva, porém, tinha pouca escolha. - É logo ali, Eva - seguiu ele na frente para guiá-la.
Eles foram até o final do corredor onde havia uma porta que abrira automaticamente. Adentraram um outro e Eva notou que não tinha ninguém ali além deles dois. Nem mesmo seguranças. Imaginou que fosse algum tipo de precaução contra ela. No entanto, pensou que poderia subjugá-lo e tentar fugir. Mas avaliou que eles já teriam contra-medidas para ela. Isso era algo que teve que aprender. Assim como Clara e Lúcio.
- Estão preparadas? - perguntou Lúcio para as duas. Estavam dentro da Kombi branca dele. Ele a deixava descuidada, com ferrugem e um pouco suja para não atrair atenção. Ou muita atenção.
- Podemos confiar na planta? - perguntou Clara.
- Sim, não creio que mudariam muita coisa em cinco anos, respondeu ele.
- Gente, em cinco anos acontece muita coisa, colocou Eva.
- Você não conhece o Departamento como eu conheço, Eva, quis explicar Lúcio; são capazes de mudar todo um pessoal, equipamentos e veículos velhos por novos, mas acreditem, coisas como a sala de reunião, o escritório do chefe e a saleta do café só mudariam de lugar se acontecesse um desastre.
- Espero que você tenha razão, disse Eva.
- É um prédio antigo, talvez trocaram os servidores apenas, completou Clara.
- Muito bem, todos sabem o que fazer, certo? - perguntou Lúcio.
- Sim. Eu vou pela porta da frente, serei uma estudante fazendo uma pesquisa  sobre novas tecnologias para um TCC, explicou Clara.
- E nós vamos entrar pelos fundos, certo Eva?
- Certo, chefe! Seremos os faxineiros e conforme entramos eu desabilito quem encontrar no caminho e... tem certeza que todas as portas tem o mesmo tipo de tranca?
- Eva, todos nós compartilhamos seu temor, mas o DEPEC ainda é um órgão brasileiro, disse Lúcio.
- Muito bem, mãos a obra então, dissera Eva já pegando sua mochila. 
- Somos seu apoio, Eva, vai dar tudo certo! - afirmou Clara.
"Mas não sou eu que tenho que apoiá-los", pensara ela. Clara foi na frente; e depois de dez minutos seguiram Eva e Lúcio vestindo um uniforme padrão com boné e botas. Contudo, ela preferiu prender seus volumosos cachos em um coque. Chegaram na entrada do estacionamento onde um segurança verificou suas identidades. Ele as devolveu e indicou para onde deveriam ir sem sequer desconfiar que os documentos eram falsos.
- Você vai me ensinar como fazê-los, hein! - ordenou Eva.
- Se você for boazinha, eu posso pensar no assunto, disse Lúcio. Eva apenas sorriu.
Os dois seguiram para um dos elevadores e entraram  em um que já estava com as portas abertas. Deveriam descer no primeiro andar, mas subiram para o terceiro onde estava o núcleo informático da unidade.
- Preparada? - quis saber Lúcio pegando sua pistola.
- Tem certeza que vamos precisar disso? - quis ela saber num tom de desaprovação.
- É por precaução, justificou ele; nenhum tiro será fatal, eu prometo.
As portas se abriram, Eva foi na frente, resignada, com Lúcio logo atrás. Seguiram com cautela até a quina do corredor. Eva pediu e Lúcio conseguiu dar uma espiada no segurança que guardava a porta. 
"Essa é comigo!" - disse Eva. Telepaticamente.
"Tem certeza?" - pensou ele para ela ouvir.
"Não podemos chamar atenção, certo!" - resolveu. O segurança era alto e corpulento, mas isso não seria empecilho. Alcançou a mente dele indo fundo para induzi-lo ao sono. O bocejo foi o primeiro sinal que estava dando certo. Ele tinha que sentir os braços e as pernas tão pesados que mal conseguiria ficar em pé. Ele já estava de joelhos, tentava resistir, murmurou algo e tombou inerte no chão.
Quando Lúcio surgiu e viu aquela cena deixou-se mostrar um sorriso. Eva retribuiu. 
- Nosso trabalho ainda não terminou, disse ele voltando a seriedade.
- Não, ainda não, concordou dando uma última olhada no segurança antes de entrarem na sala.
Não havia ninguém ali dentro. Aliviaram-se, mas precisariam de uma senha para entrar no sistema; essa era a parte de Clara.
Eva respirou fundo e abriu sua mente para alcançá-la. Não gostava muito de fazer isso. "Ouvia" todo tipo de coisas de mentes alheias próximas, todavia, ela sabia como achá-la neste palheiro. Era algo que as duas tinham combinado a algum tempo. Clara sempre cantarolava, na cabeça, sua música favorita. Sempre dava certo. Ela estava em um computador, na biblioteca do prédio, fazendo sua "pesquisa".
"Ah, oi, Eva!"
"Oi, Clara! Você só sabe mesmo esse trecho?"
"Já te disse que não consigo decorar letra de música."
Eva tencionou rir, mas Lúcio a encarava. 
"Precisamos de uma senha."
"O Lobo está sério né? Calma... invadir o sistema deles sem chamar a atenção não é fácil! Me dê mais cinco minutos!"
- E então? - questionou Lúcio de repente.
- Ela precisa de mais tempo.
- Mais tempo! O que ela está fazendo? Atualizando algum status? Isso não é um... - Eva o interrompeu com sua mão direita em riste e disse:
- Ela achou! Deixe essa impaciência pra depois, dissera ela. Lúcio foi até um dos computadores em silêncio. No entanto, assim que ele começou a digitar, mal teve tempo de verificar o resultado: - Lúcio, temos que ir! - chamou Eva subitamente.
-    O que é agora?
- Foi um aviso da Clara! Acho que nos encontraram!
Lúcio a fitou por alguns segundos antes de se dar conta.
- Foi uma armadilha! Isso tudo foi uma armadilha e a culpa é toda minha!
- Depois vemos isso! Temos que pegar a Clara! - apressou-se e Lúcio foi logo atrás. Mas assim que abriram a porta, o tiroteio começou. - Meu Deus! - exasperou-se ela se abaixando para se proteger. Lúcio já estava com a arma na mão.
- São quantos?
Eva se concentrou em meio aos disparos para "ver" quem eram seus algozes, mas algo estava errado.
- Eva...? - questionou-a Lúcio devolvendo alguns tiros.
- Não sei o que houve, me senti... repelida - explicou ela.
- Bloqueadores! - espantou-se ele. - Pensei que ainda era um projeto no papel... Mais um erro.
- Todos erramos, Lúcio, mas temos que sair daqui! Clara pode precisar de nós! - declarara ela quando os tiros cessaram.
- Saiam com as mãos pra cima! - ordenou de repente uma voz vinda de um dos guardas.
- Eva, não temos escolha! - ratificou Lúcio.
- Sim, nós temos! - Eva discordou, para o desagrado dele.
Havia se passado dois minutos quando:
- Eu não vou repetir: saiam com as mãos para cima! - gritou a mesma voz. E repentinamente Eva e Lúcio saíram exatamente com os braços levantados.
- Agora! - ordenou o dono daquela voz.
- Agora! - ordenou Lúcio a Eva.
Foram dois disparos vindos de duas pistolas de dardos tranquilizantes. Com Eva bloqueada, ela não tinha como saber disso. Porém, Lúcio sabia. "Ao menos, isso!", pensou ele alto. Eva ouviu, mas não o culpou. Apenas lamentou por não terem conseguido cumprir a missão e temia por Clara. Eram quatro, e ela os empurrou contra a parede, parou os dardos no ar, e alvejou os próprios autores dos disparos. Em seguida, retirou seus bloqueadores, semelhantes a fones de ouvido, e logo começaram a estrebuchar, gemer, e por fim desvaneceram-se. Se sentiu exausta, uma dor de cabeça começara, mas precisava continuar.
- Não podemos perder mais tempo! - apressou-se Lúcio e Eva consentiu.
Entraram em um dos elevadores e apertaram o botão para o último andar; encontraram o corredor vazio e logo acharam a porta para o terraço; porém, Eva ainda deteve-se. 
- Não podemos deixar Clara! - declarou.
- Ela sabe se virar, afirmou ele; e caso a peguem, não vão ferí-la!
- Tem certeza, Lúcio?
- Absoluta, Eva. Eles querem você! - respondeu. 
Subiram então as escadas. Ao saírem para fora, Lúcio apontou para o lado esquerdo deles. Havia ali um outro prédio de escritórios.
- Pode fazer isso? - perguntou ele. Percebeu que aquele ataque a tinha extenuada. 
- Sim, eu consigo.
Ela só precisou de dois minutos para se concentrar, segurou a mão de Lúcio e em um instante ambos voaram de uma altura de mais de vinte metros de um prédio para outro. Ao pousarem, encontraram uma das saídas de emergência e acessaram o último andar. Acharam fácil o elevador e desceram. Saíram sem problemas, apesar do olhar curioso do porteiro. Na rua, não havia ou não notaram nenhum movimento vindo do Departamento e Eva ficou tentada a voltar. "Continue", pensou Lúcio e ela atendeu. Pegaram a Kombi e se foram. 
Quase uma hora depois chegaram na sua base de operações que também servia de lar. Todo o trajeto foi em silêncio, nem mesmo um pensamento se ouvira até ali. 
- Como podemos deixá-la! - Eva não se conformara.
- Confie na Clara, Eva, ela sabe se virar! - repetira Lúcio.
- E o que fazemos agora? Como vamos tirá-la de lá?
- Vamos fazer uma troca.
- Trocar a Clara pelo quê?
- Por você! - sentenciou ele.
        - Eu topo! - concordou.


PARTE DOIS

- Eu topo! - concordou. Sentira qual era a intenção dele.
- Certo, e vamos fazer do nosso jeito, disse. Havia pensado em um novo plano. Um que colocaria a vida tanto de Clara quanto de Eva em risco, mas não tinha mais opção. - Vá descansar, amanhã treinaremos. 
- Amanhã, Lúcio! Não acho que podemos...
- Pra dar certo sua mente tem que estar descansada. Eu também inclusive. Ao menos tente dormir um pouco...
E Eva foi. Meio contrariada, mas foi. Mas não dormiu de imediato. Ao se deitar, se concentrou e tentou achar Clara naquele oceano de pensamentos e devaneios que era a população de uma cidade. E em meio a tantas músicas cantaroladas, nenhuma era a preferida da amiga. "Aguente, Clara", pensara ela antes de pegar no sono. 
No dia seguinte o café foi silencioso e solitário. Lúcio ficara trancado no seu escritório e só veio exatamente quando ela terminou o dejejum.
- Pronta?
- Pronta!
- Venha, isso vai ter que ser rápido!
Juntos os dois foram para o quarto de Eva. Lúcio queria que ela se sentisse confortável para o que precisava ser feito. Ela se sentou na cama, ele em uma cadeira de frente para ela.
- Muito bem, isso é como nosso treinamento para bloquear invasões telepáticas...
- Um treinamento contra mim, completara ela. 
- Precisamente. Com isso, quando usarem em você algum tranquilizante, e vão usar, você não ficará desabilitada do seus dons, mas eles acharão que sim. Como temos pouco tempo, você vai ter que acertar de primeira. Tudo bem?
- Tá, sem problemas, vamos lá!
- Certo. Feche os olhos. Visualize um corredor, como de um hotel com portas de um lado e de outro...
E ela o fez. Lúcio então pediu para que ela colocasse em cada um dos quartos uma de suas habilidades. "Mas como?", havia perguntado e ele sugeriu que ela os personificasse em algo concreto, como objetos ou até animais.  Então resolveu começar por sua telecinesia. Tentou pensar em algum objeto que a representasse, mas não pode deixar de pensar que sempre se sentia forte e poderosa quando a usava e lhe veio a mente alguém idêntico a ela, porém, mais alta e musculosa e de cabelos curtos. Ela então entrou em dos "quartos" do lado esquerdo. E quando usava sua telepatia se sentia o ser mais sábio do mundo e visualizou uma versão mais rechonchuda sua, também com fios encaracolados e portando um par de óculos de aros arredondados. Ela entrara num dos quartos à direita. Então, não soube dizer se foi por vontade própria ou não, mas imaginou outras. Uma versão mais jovem sua, de dreadlocks dourados, vinha saltitando pelo corredor e adentrou uma das portas a esquerda; logo depois veio uma Eva mais discreta, com uma vestimenta sóbria e com os cabelos presos, entrara em outro quarto à direita; e por fim, veio andando calmamente, uma eu sua de semblante carrancudo, com a cabeça completamente raspada, entrou em um quarto à esquerda. E quando fechou a porta pode-se perceber marcas de queimadura nas mãos e nos antebraços. Eva então abriu os olhos um tanto espantada.
- Está tudo bem? - perguntou Lúcio.
- Sim, acho que sim, respondeu ainda sem saber o que realmente tinha lhe acontecido.
- Eva, vai ter que fazer dar certo. Não tenho como testá-la aqui. Talvez...
- Vai funcionar, pode confiar em mim. 
- Muito bem, descanse mais um pouco. Sairemos cedo.
Quando Lúcio saiu, Eva tentou entender quem suas outras três personas representavam. Não podia colocar mais ninguém em risco. Lúcio havia feito os arranjos. Por meio de um aplicativo de mensagens conseguiu contatar um dos supervisores do Departamento e propôs um trato. Ele aceitara. No dia seguinte estavam todos em um terreno vazio, afastado do centro da cidade. Era cinco e meia da manhã quando dois carros de cor preta chegaram. Estacionaram lado a lado e o da esquerda abriu as portas de trás. Saíram dois homens de terno segurando Clara, que estava com os olhos vedados.
- Senhor Lúcio, chamou o que estava à direita de Clara; como combinamos. 
- Como combinamos, repetiu ele. Encarou Eva que assentiu e começou a andar em direção aos carros, enquanto um deles guiou Clara na direção oposta. O processo durou cerca de três minutos; ninguém falou nada. A não ser Eva que transmitiu um "vai dar tudo certo" quando passou por Clara. Ela então quebrou aquela trégua silenciosa - "Eva, não!" - havia clamado, mas era tarde. Eva já desvanecia pelo dardo tranquilizante que a alvejara no pescoço. Tudo ficara escuro. E não soube dizer exatamente quanto tempo durara até acordar naquela sua cela-quarto. E agora ali, com o doutor Aldo, via-se relembrando cada passo que deram. Nada tinha saído como planejaram, porém, o resultado que almejavam estava perto de acontecer. 
- Está se sentindo bem? - perguntou ele enquanto atava seus pulsos e tornozelos em um assento cirúrgico.
- Fora tudo isso estou ótima! - respondeu.
- Isso é para a sua segurança Eva. Tudo o que faremos será por você e para você. Afinal, somos a sua família.
"Eva, pode me ouvir? Estamos aqui!" - sim, ela ouvira. E tão repentinamente que não conseguiu disfarçar seu contentamento. 
- Na verdade, doutor, eu já tenho uma família! - declarou ela. 
Aldo havia sim percebido. E pela forma que arregalara os olhos, sabia o que lhe aconteceria. Pensou em tentar algo, mas era tarde. Uma escuridão já o havia tomado e Eva, apesar de tudo, o fez pousar no chão suavemente. 
"Oi, Clara! Saudades?", perguntou ela. Usou sua telecinésia para se soltar.
"Saudades?! Eu quero é matar você! Aliás, os dois!", esbravejou. 
"Depois. Descobriu algo, Eva?", quis Lúcio saber. A missão ainda não tinha acabado. 
"Esperem um pouco...", pensou ela ao encarar Aldo no chão. Desperto ele conseguia manter uma barreira para bloqueá-la. Porém, desacordado, Eva poderia ver o que quisesse. E viu bastante coisa. Não tudo o que queria, mas o suficiente naquele momento. "Muito bem, pessoal, me deem dez minutos.", pedira e Lúcio marcou no seu relógio. Eva então saiu daquele quarto e foi direto ao elevador. Ela subiu até o décimo andar onde ficava o escritório de Aldo. De posse de uma senha, sentou-se na sua mesa  e começou a trabalhar, por assim dizer. Localizou logo os arquivos que precisava, pegou um pendrive que estava ao lado do teclado e o utilizou torcendo para que tivesse espaço suficiente. Uma pasta em especial, com o nome Projeto Paraíso, lhe chamou a atenção e tomou alguns segundos para verificá-lo. Ao chegar na página quatro, se surpreendeu e se revoltou ao mesmo tempo. Contudo, não podia demorar mais. Pegou o elevador novamente para sair, no entanto, apertou o botão para o último andar. Imaginou que podiam ter descoberto seu sumiço e planejou outro tipo de fuga. Porém, ao acessar o terraço, descobriu que não foi a única que teve essa ideia.
- Olá, Eva. Espero que tenha gostado do café da manhã, disse ela. Aparentemente, aquela mulher não era uma simples funcionária; e estava acompanhada de seis seguranças. Todos armados, todos com bloqueadores.
- É, você me enganou. Que tal me deixar ir... Laura, ninguém precisa se machucar, desafiou Eva.
- Você também me enganou! Enganou todos nós! Diga como conseguiu, coopere e, talvez sim, ninguém vai se machucar, rebateu. Então eles apontaram suas armas para Eva.
- Sabe de uma coisa, Laura: eu passo!
Dito isso, ouviu-se, acima deles todos, um barulho que ia ficando ensurdecedor a medida que se aproximava. Ninguém, nem mesmo Eva, esperava que um helicóptero aparecesse ali do nada.
Laura deu a ordem e seus homens apontaram suas armas para a aeronave. Mas Eva os empurrou e retirou seus bloqueadores. Eles correram. Menos Laura.
"Até quando acha que vai conseguir fugir?", pensou ela alto. Lúcio já estava pousando e o barulho tornava inaudível qualquer outro som.
"Não fui eu que fugi!", respondeu Eva. "Ao contrário, estamos lutando. E acho que ganhamos mais uma batalha!"
"Aproveite enquanto durar!", replicou.
"Vamos, Eva!" - pensou Clara e ela atendeu. Não antes de uma troca de olhares com sua nova adversária. Ao subirem, Clara perguntou: - Quem é ela?
- Não consegui descobrir muita coisa dela, mas descobri isto, disse ela entregando o pendrive.
- Está aí o que queríamos? - quis Lúcio saber.
- Sim e um pouco mais.
- E eu ainda vou matar vocês dois por isso, deu Clara uma bronca. - E o que é esse um pouco mais?
- Eles chamam de Projeto Paraíso...
- Pra mim é novidade, disse Lúcio.
- Pra mim também. Deu pra ver do que se trata? - perguntou Clara.
Eva respondeu sem rodeios:
- Existe um outro, um homem, igual a mim. E nós temos a sua localização.

Comentários

  1. Enfim minha primeira heroína! E espero que seja a primeira mesmo. Tava com, vou dizer, dificuldade em criar uma personagem como Eva, mas ela chegou que chegou e está aí, E caso você ou alguém tenha lido até o final e dito - 'mas precisa melhorar' - eu vou concordar! Escritor é um ser humano também.

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