O Planeta Azul

  


 

    "Vem ver, vem ver, já dá pra ver!", se esperneava minha pequena Nina. É normal que ela se sinta assim, creio eu. Feliz, leve, esperançosa. Mal desmamara do peito da mãe, ela nunca se apegou a nossa terra natal e, devo aceitar, nem mesmo eu me apegaria. Não do jeito que havia se tornado. Como pudemos ser tão descuidados, negligentes? Era como se o nosso planeta não fosse nosso. Era de outras pessoas, ou dos deuses como diziam alguns. Mas era nosso, nos foi dado, nascemos e crescemos lá. Evoluímos e... Não sei se é essa a palavra. Será que evoluímos? A ponto de tornar nosso lar inabitável! Parecia que o planeta inteiro tinha se voltado contra nós; e acho que, de certa forma, foi isso mesmo. Só de pensar que dois oceanos inteiros estavam secando... Como deixamos isso acontecer? Os sinais eram claros, é o que todos diziam, mas ninguém, ao menos os que poderiam fazer algo, não levaram a sério! "O planeta não está aquecendo", "É apenas um ciclo de seca, vai passar", diziam todos os lideres, de todos os governos, e aqui estamos: mais de cinco bilhões de vidas divididos em seis espaçonaves indo em direção ao nosso novo lar. Eu ainda não sei se quero conhecer esse novo lar. Nessa hora eu queria estar no mesmo lugar que a Nina. Com os olhos ainda frescos para o futuro. Não gosto de lembrar que nunca mais passearei no parque com Aida, nossos pés descalços na grama; que não visitarei mais a casinha dos meus avós quase a beira-mar. Meu alento, e do meu pai também, é que eles se foram bem antes de ver o mundo morrer. Espero que com Aida seja diferente. Que Nina e seus futuros irmãos e irmãs cresçam e que tenham filhos sem se preocupar se sua casa, sua cidade, vai virar pó. Me lembrei que falaram que não tinham certeza se nossas plantas, árvores, os animais que trouxemos se adaptariam ao novo ambiente. Se já não bastasse os milhões que morreram de fome e sede lá, corremos o risco de seguir com o mesmo destino. Meus pais não querem que eu me preocupe, que ainda sou jovem demais pra isso, mas eu não consigo não me preocupar. Disseram que talvez, poderíamos voltar, mas que iria demorar muito tempo. Quem sabe meus tataranetos consigam fazer essa viagem e conhecer a terra dos seus antepassados. "Papai, vem logo!", gritava ela como se tivesse ganhado um presente. E talvez até fosse. Fui com ela me puxando pela mão até um dos corredores. As janelas ali eram mais largas que dos alojamentos e ali, em meio a outros olhares curiosos e esperançosos, podia se ver, bem na nossa frente nosso novo porto seguro. Essa era a maneira como dizia meu avô no que é agora um enorme cemitério. Nina não parava de pular, de apontar, e de fazer planos. Eu, no entanto, estranhei a principio. Me pareceu bem menor do que o nosso lar. Acho que sempre vou pensar dessa forma. Meu pai, ali com minha mãe, disse que realmente era menor, mas que caberia sim todos nós e sobraria espaço. "E por que ele é azul, papai?", tinha perguntado Nina e ele respondera que aquilo tudo era água. Foi nessa hora que me deixei impressionar! Ali havia mais água que em todo nosso planeta. E era muita coisa. Nina tinha perguntado como se chamava e eis que meu pai simplesmente disse Terra. "Mas como um planeta com tanta água, vai se chamar Terra?", perguntei eu. "Bom, não vamos morar na água", respondera ele com aquele jeito brincalhão. Todos riram, e eu também. E olhando aquele pequeno planeta, consegui imaginar Aida e eu morando em algum lugar, construindo uma nova vida. Chega a ser impressionante como uma civilização inteira, que durou milhares de anos, pereceu em pouco mais de uma centena. E agora nós, vindos do planeta vermelho, vamos para o planeta azul. Nunca vou saber se alguém vai achar esse meu diário, mas espero que possamos proteger nosso novo lar, cuidar, preservá-lo, para que achem essas páginas, e saibam de onde viemos. E, com sorte e sabedoria, não cometeremos o mesmo erro, para não precisarmos fugir novamente. Assim, quem sabe, nossos descendentes possam voltar ao seu lar ancestral e recomeçar de onde nós paramos.

Comentários

  1. Este foi feito para um projeto que não vingou. O tema é relevante, urgente, mas eu tenho a impressão que já é tarde demais.

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