Destino
Se Deus criou o homem e o homem criou as máquinas, será que elas têm
tanto direito à vida quanto os humanos? É essa a pergunta que Davi, um ser
(humano) de vida artificial se faz depois que fugiu do laboratório onde foi
criado. Ele só quer o que todo mundo procura: um lugar no mundo e viver.
- Madame Pandora lhe dá boas vindas ao seu
humilde estabelecimento. Sente-se.
- Obrigado.
- Então, deseja saber o quê exatamente?
- Bem... eu quero saber qual é o meu destino.
- Seu destino. Por quê? Tem medo que algo de
mal lhe aconteça?
- Acho que sim.
- Não quer ser mais específico. Não quer saber
o que vai acontecer amanhã ou depois. Saber se vai encontrar um grande amor ou
ficar rico!
- Não, eu... apenas quero saber se eu tenho um
futuro.
- Como se chama, meu filho?
- Davi.
- Davi do quê?
- Apenas Davi.
- Davi, me dê sua mão – ela a segurou com as
suas duas, fechou os olhos e começou a sussurrar palavras sem sentido. Estranhamente
gemeu e então...
- Davi, você terá uma grande missão pela
frente!
- Qual?! – quase desesperado.
- Há um homem em seu caminho, eu o vejo: ele é
alto, pele clara e usa um casaco roxo.
- Mas, quem é ele? – desesperado de novo.
- Ele mudará a sua vida. Ele perguntará: “de
onde você veio?” e você responderá: “eu venho dos campos e trago o novo alvorecer
da humanidade!”.
Fiquei atônito durante alguns segundos. O que
ela disse pareceu fazer sentido. O Centro ficava afastado das cidades, ou seja,
no interior e, de certa forma, eu sou um alvorecer, uma novidade no mundo.
Voltei para Madame Pandora e ela pareceu estar em um estado de transe.
- Eu vejo... eu vejo...você será...será... –
ela hesitou e depois: – Não consigo ver mais nada...
- Mais nada! Apenas isto: encontrarei um homem
e ele mudará a minha vida. Isso é bom ou ruim?
- Madame Pandora apenas diz o que vê e só o
que vê – pareceu-me um pouco evasiva, mas agradeci assim mesmo. Paguei a
quantia combinada e me despedi.
- Madame Pandora deseja que você encontre
aquilo que procura – agradeci de novo e ao sair, distraído, esbarrei no homem
com óculos escuros. Pedi desculpas e sai do consultório com mais perguntas que
respostas.
No dia seguinte, ainda pensando sobre o que Madame
Pandora disse, me perguntava se o meu destino se resumia a isso ou era apenas o
começo da minha verdadeira missão. De repente parei e percebi que estava indo
na direção do consultório da vidente. Devia ser apenas distração. Mudei e fui
para um dos postos de uninet da cidade. Ainda precisava saber como e onde
estavam meus irmãos. Atravessei a avenida correndo e sem querer trombei com um
homem. Um homem alto, de pele muito clara e vestindo um casaco... um casaco
roxo! Fiquei paralisado olhando para ele e ele para mim. Então, ele se
aproximou um pouco mais e perguntou:
- Mas afinal de onde você veio? – foi
incrível, exatamente como Madame Pandora previu. Parecia que minha missão enfim
iria começar.
- Eu venho dos campos e trago o novo alvorecer
da humanidade! – respondi de forma mais clara possível e fiquei esperando o que
ele me diria em seguida. Então, quando achei que ele ia falar, alguém atrás de
mim me agarrou pelos dois braços, o próprio mensageiro da minha missão tapou
minha boca com a mão e os dois me levaram para dentro de um veículo e me jogaram
na parte de trás. Na frente, tinha outro me esperando e só mais tarde descobriria
que não só ele como todos realmente me aguardavam.
- ONDE TÁ? – gritou o sujeito da frente – ONDE
TÁ?! ME ENTREGA AGORA!!
- O que, eu não sei o que você quer... –
assustado, fui interrompido.
- O pacote! Não enrola, me entrega o pacote!
- Mas, que pacote? – além de assustado, fiquei
confuso. – Eu não sei que pacote você... – e fui interrompido de novo; desta
vez, por uma arma apontada para a minha cabeça.
- Eu só vou perguntar mais uma vez, onde tá o
pacote?
Ele estava irado, nervoso. Fiquei paralisado
diante dele e daquela arma. O que estava ao meu lado, o alto de casaco roxo,
resolveu se pronunciar:
- Calma, Liceu, calma. Ele é apenas um fio.
Um fio.
Ele disse que eu era apenas um fio.
Ainda ouviria essa palavra de novo e aí entenderia o seu significado para essa
gente. Eles me revistaram e acharam o que procuravam.
- Tá aqui, tá tudo aqui, disse o de casaco
roxo. Não era exatamente um pacote e sim três tubos de ensaio amarrados com um
elástico. Havia um líquido azul dentro deles e eu só podia imaginar o que era e
como foram parar no bolso da minha jaqueta.
- Bom, agora é arranja um jeito de apaga o
infeliz – disse Liceu.
- Peraí, Liceu, isso não tava combinado.
- Ele sabe da situação, viu nosso rosto!
- Ele não vai falar nada, disse o sujeito no
banco da frente; vai fingir que nunca aconteceu, né não Davi?
Ele sabia o meu nome! É claro! O homem na
Madame Pandora de boné e óculos escuros! Ele esbarrou em mim. Foi assim que o
“pacote” veio parar no meu bolso.
- É, eu... nunca vi vocês na minha vida – era
a primeira de muitas mentiras que teria que falar para sobreviver neste mundo.
- Tá, tá, só quero ver.
A porta do veículo foi aberta e fui simplesmente
jogado para fora. O carro saiu em disparada sem nenhum tipo de despedida. Fui
usado e fiquei com a impressão que não seria a última vez. Comecei a ficar
nervoso e só consegui ver o consultório da Madame Pandora na minha frente. Sem
pensar duas vezes segui para lá. No caminho minhas lembranças tomaram vida e
invadiram minha mente. Estava no Centro de novo numa das aulas com um dos
tutores; e em determinado momento ele falou a nós: “vocês são muito especiais,
lembrem-se sempre disto. Há uma grande missão esperando cada um de vocês”. Como
não me lembrei disto antes. Eles nos diziam que teríamos um papel importante a
cumprir no futuro. Será que é disso que estavam falando? Seríamos usados pelo
Centro como eu fui hoje para algum fim obscuro. Deixei minhas reflexões de
lado. Quando cheguei ao consultório, subi direto as escadas. Na sala de espera
havia duas senhoras esperando...
–
VOCÊS ESTÃO SENDO ENGANADAS, ELA MENTE! – gritei na esperança que percebessem o
erro que estavam cometendo. Não esperei ser anunciado. Arrombei a porta com o
pé para que ela soubesse o quanto estava furioso.
– SAIA!! – gritei para o senhor que estava sendo
atendido pela Madame Pandora e imediatamente me voltei a ela.
- VOCÊ ME ENGANOU, ME ENGANOU!!
- Mas o que Madame Pandora pode fazer ... –
não a deixei terminar; empurrei a mesa com tudo para a parede e a agarrei pelos
seus colares no pescoço.
- Por que você me enganou? Que mal lhe fiz?
- Eu não tive escolha, eles me obrigaram.
- Mentira!
Eu fui sincero com você, só pedi uma coisa e você me usou. O quanto ganhou com
isso?
- Olha, eu sou tão vítima quanto você. Eu
tenho um filho. A única maneira de me deixarem trabalhar é fazendo o que eles
mandam. Acredite em mim, por favor!
- Por que devo acreditar? Por que me escolheu? Será que pareço tão
ingênuo?
- Olha, eu não sou uma vigarista completa, tá.
Eu realmente vejo coisas. Não claramente, mas vejo: flashes, lampejos de
imagens, alguma coisa. Mas com você não vi nada, absolutamente nada. Então como
precisavam de alguém aproveitei a oportunidade. Mas não foi nada pessoal, acredite
não me machuque, por favor...
Ela estava em prantos e eu ainda cego de raiva
deixei meu punho em riste na sua direção. Então, algo em mim despertou. Parei
um instante e desisti da insanidade que iria cometer. Larguei-a de qualquer
jeito e sai sem olhar para trás.
–
Obrigada, muito obrigada... – a ouvi falando, mas continuei. Na rua, não
consegui deixar de pensar no que ela me disse. Ela não viu nada do meu futuro.
Sei que não deveria acreditar nisso, contudo, não nasci como os humanos, fui
“fabricado”. Sendo assim, parecia que meu destino seria delegado por pessoas
cujos poderes vão além dos meus. NÃO! Recusei-me a aceitar isso! Se não tenho
um futuro definido, se ele não está escrito, então eu mesmo o escreverei.
ESTE EU ESCREVI DE BATE-PROTO! Estava com dificuldade para escrevê-lo. Tinha a ideia, mas não conseguia construir um enredo ou um roteiro. Graças a um livro e de bater cabeça, consegui escrever a história. Acho que se aproximou bastante do conceito original.
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