Dilema

   Quando criança, Bruce Wayne viu - diante de seus olhos - seus pais serem assassinados friamente; e ele jurou sobre seus túmulos que isso não se repetiria com mais ninguém.
       Adulto, sob o manto de uma criatura sombria, ele vaga pelas ruas de Gotham City aterrorizando os corações de mentes criminosas e insanas.
          Ele é conhecido como... Batman! 




         Eram três e quinze da manhã quando desci para a caverna. Estávamos já no começo do verão, mas aquele lugar ainda ficava tão frio como num longo inverno. A sopa de ervas que eu levava já tinha praticamente esfriado, no entanto, quando o vi de frente ao seu computador, sentado e com a sua “roupa de trabalho”, percebi que não faria diferença alguma. Dificilmente ele come alguma coisa nesses momentos.
         - Patrão Bruce, disse; trouxe seu jantar. Espero que não se importe de comer um pouco frio.
         Ele permaneceu em silêncio. Quando trabalha em um caso, costuma ficar desse jeito: o queixo apoiado nas mãos entrelaçadas numa reflexão tão introspectiva que beira a catatonia.
         - Patrão, deixarei a bandeja aqui. Mais tarde voltarei para buscá-la.
         Quando terminei de falar e ia me virando para voltar aos meus afazeres na mansão, ouvi aquela voz rouca, forte e tão sombria quanto da caverna que ecoava.
         - Alfred, estou num dilema.
         Não era sempre que ele agia desse jeito, era assim que pedia ajuda. Não para resolver um caso, pois sua habilidade dedutiva e investigativa eram soberbas; porém, mesmo os gênios, vez ou outra, pedem uma segunda opinião, um outro ponto de vista sobre um assunto.
         O caso em que ele trabalhava havia tomado repercussão nacional: John Tomas Smith era um secretário respeitado no meio social e político de Gotham, o próprio patrão Bruce o conhecia pessoalmente; dono de um currículo impecável para um político de seu gabarito, pai exemplar de dois filhos e marido devotado – até agora. Há um mês uma moça, de pouco mais de vinte anos, foi encontrada morta em um apartamento com dois tiros no peito e um na cabeça. Pelo rastreamento de suas últimas ligações, a polícia descobriu que o secretário de finanças da prefeitura era amante de Melissa Saunders fazendo dele o principal suspeito do crime.
         - Senhor, se existir algo que eu possa fazer...
         - Eu e os detetives do departamento chegamos à mesma conclusão: – enquanto falava, digitava alguns comandos no teclado e no monitor apareciam fotos com dados de evidências dele e da própria polícia – a maioria das ligações feitas por Melissa Saunders são para o celular de trabalho do secretário Smith; itens da fatura do seu cartão de crédito coincidem com alguns dos objetos encontrados no apartamento; e o que seria a prova cabal – a munição usada no assassinato da garota é compatível com a arma, de posse do secretário. Tudo diz que ele é o assassino, contudo...
         - Contudo, completei seu raciocínio apenas como um eco do que ele mesmo já tinha deduzido; as ligações e os presentes podem provar que eles foram amantes, mas não necessariamente que o secretário Smith seja o assassino da srta. Saunders, já que, qualquer um em Gotham pode ter uma quarenta e cinco no bolso e...
         - E ele tem um álibi, concluiu.
         - É um álibi forte?
         - De certo modo sim, porém, há uma certa incongruência quanto ao horário e mesmo o dia... Tenho meios para descobrir de fato o que aconteceu, mas se eu cometer um erro posso destruir uma família inteira!
         Deus! Foi então que eu entendi. Para o patrão Bruce é como uma eterna reprise de um filme: um pai e uma mãe são estupidamente assassinados numa viela escura e um garoto fica órfão. Uma família inocente é destruída. É um trauma que o patrão ainda não conseguiu superar e sempre que se depara com casos como esse toma todas as precauções possíveis para, na sua visão, não cometer outro crime.
         - Senhor, disse, conforta-me saber da importância que dá às instituições familiares e é louvável que queira defender seus valores, por isso, é que a justiça deve ser aplicada a todos não importando quem seja ou qual crime tenha cometido.
         - Sei disso! Mas essa mesma justiça que tira um criminoso das ruas, também priva filhos de conviverem com os pais, independente do que eles possam ter feito intencionalmente ou não.
         - Patrão Bruce, se o senhor chegou a essa conclusão, já deve saber também quem é o verdadeiro assassino e, se entregá-lo significa destruir uma família, tenha em mente que qualquer relação pessoal deve sempre ser construída na verdade, no amor, no respeito e não em mentiras e desavenças ou estará construindo um castelo de areia que bastará uma lufada de vento para desmanchá-lo.
         Ele voltou a ficar em silêncio mais uma vez. Já me acostumei aos seus momentos de reflexão, porém, às vezes, anseio por algo a mais do que o som de uma expiração. Então ele se levantou e ainda me espanta, mesmo depois de alguns anos, como o barulho de sua capa esvoaçando lembra o bater de asas de um morcego.
         - Estou saindo. – disse assim, simples e seco.
         - Estarei aguardando, senhor.
         O som deixado pelo motor do carro faz os “donos” da caverna despertarem de sua breve hibernação. Mais tarde, saberíamos que o secretário Smith era de fato inocente. Sua esposa, Vanessa Colton Smith, fora a assassina da srta. Saunders. Ela desconfiava há algum tempo que o marido a traia e teve a confirmação quando atendeu, no celular do secretário, uma ligação da vítima. A sra. Smith foi ao apartamento da moça para tomar satisfação e cometeu a estupidez. Segundo seu depoimento, ela queria defender sua família de uma suposta chantagem que a srta. Saunders teria feito. De uma forma deturpada, é verdade, e não altruísta como o patrão Bruce faz. Quanto a mim, acho que vou preparar outra refeição. Detesto servir comida requentada!


 Baseado nos personagens da AOL TIME WARNER/DC COMICS

BATMAN é uma criação de Bob Kane 

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