2012
Ricardo queria ficar ao lado de seu grande amor para sempre. E mesmo com o mundo para acabar ele iria concretizar seu sonho.
Faltava uma semana... (era sexta quando Ricardo ligou para Adriana):
- Dri, você tá vendo a T.V.? – esse era
Ricardo, apressado, ansioso; porém, Adriana, sua noiva, estava acostumada.
- Do que você tá falando Rico? – ela
perguntou num tom calmo tentando quebrar o nervosismo do noivo.
- Não tá vendo Dri! Eu te falei que
tava assim! Um terremoto Dri, um terremoto gigantesco em São Francisco e outro
em Tóquio de sei lá quanto na escala! E falta uma semana Dri, uma semana! Eu te
falei que tava assim e você não acreditou em mim; e agora?
Adriana respirou e ponderou antes de
falar:
- Tá, Rico, tá bom, isso tudo é mesmo
horrível, mas não dá pra conversar agora que tô no meio de tanto trabalho. Em
casa a gente se fala tá?
- Tá, Dri, a gente vai ter que
conversar muita coisa mesmo. Não esquece: te amo!
- Te amo também! Tchau!
Ela desligou o celular, olhou para o
teto onde a tinta estava descascando por causa de uma umidade mal resolvida e
pensou alto – “Deus, dai-me forças!” – Então, voltou sua atenção ao monitor
para terminar de preencher seus relatórios.
Mais tarde, no apartamento do casal, os
ânimos de ambos pareciam estar normalizados depois de um banho e de um
espaguete ao sugo no jantar. Entretanto, Ricardo não conseguia desgrudar da T.V.
vendo, em todos os noticiários, as consequências dos dois terremotos. Adriana
sentou ao seu lado no sofá para puxar conversa.
- Cê viu só! – disse Ricardo espantado.
– O terremoto de São Francisco foi de sete ponto nove; e o de Tóquio oito ponto
dois! Oito ponto dois, Dri! Vai dizer que não acredita agora!
- Rico, terremotos assim acontecem de
tempos em tempos. Não é porque tá acontecendo agora que o mundo vai acabar –
Adriana tentou convencer Ricardo com essas palavras, porém...
- Não pode ser só coincidência Dri,
muita gente falou disso: o mundo acaba no dia vinte e um de dezembro de dois
mil e doze e falta só uma semana; e olha só: o mundo virando de cabeça pra
baixo! Cara, o que quê a gente vai fazer? – ele esperava por uma resposta da
noiva, de algum tipo; contudo, Adriana não soube o que dizer naquele momento
porque, lá no fundo, bem lá no fundo, ela começou a acreditar naquilo tudo. O
que ela fez, na verdade, foi pegar o controle da T.V., desligá-la e dizer ao
noivo:
- Olha, por que a gente não vai dormir
pra esfriar essa sua cabecinha e amanhã, com mais calma, a gente fala disso.
- Acontece Dri que...
- Por favor, Rico, vamos dormir... –
ele não conseguiu dizer não e a obedeceu. Horas de amor depois, Ricardo observava
Adriana em seu sono profundo e não conseguiu acompanhá-la.
No dia seguinte, os dois, de comum
acordo, resolveram esquecer os problemas do mundo e concentraram-se neles
mesmos. Logo cedo, encontraram-se com a organização do buffet para o casamento; mais tarde, almoçaram com os pais de
Adriana. No entanto, antes que pudessem planejar mais alguma coisa, uma forte
chuva começara a cair sobre a cidade obrigando a todos voltarem o mais depressa
possível às respectivas residências evitando ficarem presos por causa das
frequentes enchentes daqueles últimos dias.
As coisas caminhavam para a normalidade
e Ricardo pareceu deixar as profecias do fim do mundo de lado até o domingo de
manhã quando um dos seus amigos mais próximos ligou. Adriana tinha acabado de
se levantar e, procurando por Ricardo, viu-o sentado no tapete da sala com o
telefone na mão e um vazio no rosto tão melancólico que fez gelar sua espinha.
- Rico, que houve? – perguntou
assustada.
- O Cado morreu Dri, foi pego pela enchente
de ontem e se afogou, se afogou! – Cado fazia parte da turma de Ricardo desde
os tempos do colegial. Tinham os dois o mesmo nome e os amigos, para
diferenciá-los, chamavam um de Rico e o outro de Cado.
- Ah, Rico, sinto muito... – Adriana chorou
e abraçou Ricardo. Ele retribuiu e disse que estava bem. Começou a fazer
ligações para outros amigos e os parentes de Cado.
Na segunda, ocorreu o enterro; no mesmo
dia, Ricardo saberia depois, um furacão, de proporção avassaladora, devastou
parte do Caribe. Na terça, no trabalho, Ricardo estava pensativo, mal conseguia
se concentrar; Adriana ligou para combinar de almoçarem juntos depois da sua
consulta médica. Mas foi na quarta que tudo pareceu explodir: o exército
americano invadiu o Irã com múltiplos ataques. E, neste dia, Ricardo também
atacou Adriana; de outra maneira, entretanto.
- Tá boa a sopa? – perguntou Adriana.
- Tá, tá sim, respondeu Ricardo. – Olha
Dri, tô pensando numa coisa... é sobre o nosso casamento... – neste momento,
Adriana interrompeu a colherada de sopa que levaria a boca.
- O que quê tem o casamento, Ricardo? –
perguntou séria.
- Olha... talvez seja melhor
adiantarmos, cê não acha não?
- Adiantar o casamento pra quê,
Ricardo? Casamos no sábado, por que... – ele bateu na mesa com a mão,
interrompendo-a.
- Dri, pelo amor de Deus! – ele falou
com ela com a voz alta o que não era comum. – Você não vê o que tá acontecendo,
o que vai acontecer! Depois de sexta não vai ter mais nada aqui. A gente não
vai tá mais aqui, mas podemos, sei lá, ficar juntos de alguma forma ou não é
pra isso que estamos casando. A gente se ama ainda não é?
- Rico, é claro que a gente se ama, mas
olha o que você tá falando. Só você tá acreditando nessas coisas. Você quer desistir
de tudo, fácil assim.
- Cê não tá me entendendo, Dri! Eu não
tô desistindo é exatamente o contrário: eu quero que a gente se case antes...
- Antes, Ricardo? – ela se levantou. –
A gente se casa e aí, ficam os dois sentados esperando um... um meteoro cair
nas nossas cabeças ou uma onda gigante nos engolir! Você tá desistindo sim
Rico, desistindo de viver sem saber se o mundo vai acabar ou não!
- Dri, meu amor, com tudo que tá
acontecendo é inegável: o mundo termina no dia vinte e um e não sou só eu que
acredito, tem muita gente que já fez planos pensando nisso. Olha, eu só... só
quero que a gente fique junto pra sempre, como combinamos, cê se lembra?
- Lembro sim, Rico! Lembro que você me
falou que não importa o que viesse pela frente que nós enfrentaríamos do jeito
que for. E agora? Parece que você quer fugir... – algumas lágrimas chegaram aos
olhos de Adriana.
- Dri, me escuta, eu não quero fugir de
nada... cara, eu só quero ficar junto de você antes de... Faz isso por mim meu amor,
por favor... – ele se ajoelhou diante dela e segurou em sua mão. Ela teve
vontade de chorar neste momento, contudo, se segurou e decidiu:
- Rico, não quero saber o que pode ou
não pode acontecer, mas eu me prometi que casaria com você no dia marcado e vou
cumprir minha promessa. Espero que você também cumpra com a sua! – ela arrancou
suas mãos das dele e foi para o quarto. A porta bateu com força e Ricardo se
viu sozinho na sala. Ele levou às mãos a cabeça e se curvou, chorando.
Quinta, dia vinte. Ricardo estava no
trabalho adiantando o serviço por dois motivos: um, não queria pensar em nada;
dois, tinha um plano para se desculpar com Adriana. Os dois mal se viram de
manhã; trocaram um bom dia e ela saiu sem esperar por ele. Ricardo decidiu por
bem não protestar.
Estava resolvido. Tinha terminado suas
pendências e combinado com o chefe de sair mais cedo. Pensava o mínimo. Foi
direto ao serviço de Adriana falar com ela. Como conhecia bem os funcionários
do prédio, entrou sem problemas; aliás, ele mesmo pediu para não ser anunciado
– “quero fazer uma surpresa” – confidenciou ao porteiro do local. No nono andar
ficava a sala de Adriana:
- Mas o que... Espera um pouco Alice...
– ela falava ao telefone quando viu na porta de sua sala o enorme buquê de
rosas brancas – suas preferidas – que Ricardo, com um sorriso sem graça no
rosto, segurava.
- Oi! – disse ele.
- Oi?! Como é que você me aparece assim
e com tudo isso! – ele deixou o buquê na mesa e se ajoelhou ao lado dela.
- Olha... eu acho que surtei com tudo
isso, esses desastres e sei lá, fiquei com medo de te perder Dri, acho que... –
ela o interrompeu tapando com seus dedos os lábios dele.
- Não fala mais nada ou eu começo a
chorar... – eles se beijaram e se abraçaram como bons amantes que não se viam
há muito tempo. Depois, Ricardo disse a Adriana qual era o seu grande plano:
- Vamos viajar hoje?
- Viajar?! Que ideia é essa agora?
- Lembra-se de onde eu te pedi em
namoro?
- Na Praia do Gonzaga em Santos. Mas,
por que...? Cê não tá pensando em...
- Tá tudo pronto: já pedi um dia de
folga pro meu chefe e tenho certeza de que a sua não vai negar um pedido de uma
noiva!
- Rico, acho que você não tá bem ainda!
- Vai Dri! É meu pedido de desculpas
pra você. Vamô!
- Ai, meu Deus! Não acredito. Tá,
vamos.
- É! – gritou Ricardo e os dois se
beijaram novamente antes de irem até o apartamento, arrumarem uma pequena bolsa
com algumas roupas e seguir viagem.
Já era noite quando os dois seguiram
pela rodovia rumo a sua pequena lua-de-mel. Ricardo ao volante mal tirava os
olhos da estrada. Estava um tanto quanto quieto e Adriana notou isso junto a
uma certa expressão de preocupação no rosto do noivo.
- Tá tudo bem, meu amor? – perguntou
Adriana.
- Tá... tá tudo ótimo com você aqui,
respondeu.
Ela sorriu e suas mãos se entrelaçam
rapidamente antes de Ricardo voltar a ocupá-la com o câmbio.
- Você sabe que eu nunca te abandonaria,
não é? – Adriana puxou assunto.
- É claro que eu sei, Dri. Que papo é
esse?
- É sobre a discussão de ontem...
- Ah, esquece Dri! Eu nem lembro mais
da discussão.
- Ah, vai Rico. É que na hora eu fiquei
brava com você, por causa da história de adiantar o casamento, porque eu quero
que nossos pais estejam presentes na cerimônia. Você não?
- Sim, claro. É que eu te amo tanto que
sinceramente nem me importo com quem vai ou não estar no casamento.
- Oh, que bonitinho. Eu também te amo
muito e é por isso que de agora em diante não importa o que você faça, eu vou
estar sempre junto de você.
- Quê? Mesmo Dri?
- É claro seu bobo. Você não vai se
livrar de mim tão fácil assim Ricardo Henrique Ferreira!
Ela inclinou-se em sua direção e os
dois selaram os lábios tenramente antes que Ricardo voltasse seus olhos para a
estrada. Olhos estes que, apaixonadamente, encheram-se de lágrimas. Eles tinham
chegado a um ponto da rodovia, já entre as serras, de onde, do lado direito,
havia uma linda paisagem de árvores e montanhas que seria, claro, melhor apreciada
durante o dia. E foi esse exatamente o pensamento de Adriana antes de virar
para Ricardo e perceber seus olhos marejados e o rosto molhado. Ela não teve tempo
de perguntar, Ricardo virou bruscamente o volante na direção que Adriana há
pouco tentava adivinhar quantas árvores poderia haver em todo o cenário. A
velocidade alta do carro lhe permitiu força suficiente para arrebentar o guard-rail rumo ao declive matagoso. Foi
neste momento que Adriana conseguiu gritar e, se mais alguém estivesse no carro
junto do casal, conseguiria, talvez, ouvir um “eu sempre te amarei” de Ricardo
antes que o veículo colidisse com o solo e rolasse inúmeras vezes até parar de
encontro a alguns pinheiros virgens.
*
Sábado de manhã. Adriana teve enorme
dificuldade para abrir os olhos, a luz do dia parecia espetá-los como
alfinetes; no entanto, com certo esforço, conseguiu mantê-los razoavelmente
abertos. Ela percebeu que estava deitada numa cama, um tubo de plástico
introduzido no seu nariz incomodava-a e ela se perguntou se era essa a razão do
gosto esquisito em sua boca. Ela tentou se mexer, mas as ataduras e gessos nos
seus braços e pernas e em parte do dorso deixaram-na com os movimentos limitados.
Com muito esforço conseguiu virar a cabeça levemente para a direita e pode ver
sua mãe recostada numa poltrona, dormindo. Ela a chamou como por telepatia e,
quando acordou, mal aguentou de emoção ao ver que sua filha despertara.
- Adrianinha, Deus do céu! – ela
chorava e falava ao mesmo tempo. – Minha filhinha, graças a Deus! – Adriana
tentou pronunciar alguma coisa, mas apenas conseguiu uns gemidos. – Eu vou
chamar o médico, disse a mãe.
Cinco minutos depois, veio um dos
médicos que cuidou de Adriana desde que ela chegara ao hospital.
- Então, nossa bela adormecida acordou!
É uma menina bem forte, alegrou-se o médico.
- Com a graça de Deus, doutor, orgulhou-se
a mãe.
- Como é que você se sente, Adriana? –
perguntou ele; mas este só ouviu uns gemidos baixinhos. Então, ele aproximou seu
ouvido da boca de Adriana o suficiente para que pudesse ouví-la. – Pode falar
devagarinho que eu escuto, disse o médico. Ela conseguiu cochichar um “onde
está o Rico?”. Ele olhou para a mãe de Adriana e esta, ainda com lágrimas nos
olhos, acenou com a cabeça. O médico começou a lhe contar de como chegou ao
hospital toda ferida, mas que não tinham perdido as esperanças de recuperá-la;
disse também que demoraram para achá-los devido o acidente ter ocorrido em uma
área de difícil acesso; e com muito cuidado, disse a ela que apesar do cinto de
segurança a ter salvado, não ajudou o noivo que, devido a batida, um pedaço do
para-brisa perfurou seu crânio e, por causa da demora, não puderam salvá-lo.
Ela desatou a chorar e a mãe tentou
acalmá-la. O médico, porém, tinha mais a dizer:
- Você já mostrou que é forte, Adriana.
Agora, vai ter que ser mais forte ainda... Forte por vocês dois.
Ela olhou para a mãe que disse: “eu já
sei”.
Era um segredo que Adriana havia
guardado só para ela. Tinha ido ao seu médico alguns dias atrás para confirmar
suas suspeitas e iria confidenciar a Ricardo na noite de núpcias. Seria seu
presente de casamento para ele; agora, era a herança dele para ela, de um amor
que sentia maior que sua própria vida.
Adriana saberia alguns dias depois, já
em casa, que quando os paramédicos os acharam já passava da meia-noite de
sexta; e que a hora da morte de Ricardo deu-se exatamente a meia-noite e um. A
meia-noite e um do dia vinte e um de dezembro de dois mil e doze, o mundo, para
Ricardo, acabou.
É uma história de amor e otimismo.
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