O Primeiro Desencontro
Carolina era a típica garota romântica que sonhava acordada esperando um grande amor. De uma maneira ou de outra, sonhos tornam-se realidade.
Era uma tarde como qualquer outra que conhecemos. O clima não estava nem muito frio para ser necessário usar um suéter e nem tão quente a ponto de dispensar usar um. Era uma daquelas tardes com o céu em cores primárias, o Sol alaranjado e o ar cheirando a outono fresco.
Carolina estava graciosamente linda
nesse dia. Seu vestido de lacinho amarelo estampado com rosas brancas
contrastava, de modo sublime, com sua pele amorenada; seu cabelo de um preto
cintilante estava penteado de modo todo preso num coque a uma presilha também
em forma de rosa de tal forma que destacava seu rostinho redondo e seus grandes
olhos castanhos. Sentada num banco de madeira na praça que ficava a dois
quarteirões de sua casa com sua bolsinha de crochê em cima do colo, parecia uma
destas fotos que se vê em cartões-postais ou porta-retratos vendidos em feiras
populares. Aliás, seu pai, antes de Carolina sair, disse que: “não há princesa
em contos de fadas ou em outro lugar qualquer mais linda que a minha”. Sua mãe,
que a ajudou a se produzir, quase implorou para acompanhá-la em seu primeiro
encontro – “já tenho treze anos, mãe”, falou Carolina. E lá foi ela, lépida e
alegre como uma borboleta recém-saída de sua crisálida.
Estava na praça esperando por Martim,
garoto que conhecera na escola e, enquanto esperava, lembrava-se da primeira
vez que se viram – fora na escola obviamente: Carolina ia para mais um dia de
aula no seu tradicional uniforme de saiote azul com uma camiseta branca com
golas azuis combinando; entrava pelo portão principal, distraída é verdade ou
como sua mãe dizia: “no mundo da Lua”, quando tropeçou num destes buracos de
calçadas. Os cadernos e livros que carregava nos braços como um bebê
esparramaram-se no chão e Carolina se viu sozinha para pegá-los sem que ninguém
parasse para ajudar; porém, Martim parou:
- Quer ajuda? – disse ele.
Ela o olhou e não parou de olhar por
pelo menos uns dez segundos – não que alguém tenha cronometrado. Ele tinha a
pele alva como as nuvens, o cabelo dourado como o Sol e os olhos brilhantes
como dois diamantes. Tinha um porte de cavalheiro como aquele personagem do
romance que lera semanas atrás – adorava ler romances e sempre se colocava no
lugar das donzelas das histórias. Nem em sonhos conseguiria imaginar alguém tão
bonito, pensou ela. Ou conseguiria?
Depois dos cadernos e livros
devidamente reunidos e recolhidos, o garoto se despediu e seguiu-se para a
escola. Carolina, no entanto, continuou olhando-o como se tivesse visto uma
aparição e só despertou do seu transe quando uma das monitoras chamou-lhe a
atenção para que não se atrasasse para a aula.
Mas Carolina não conseguiu prestar
atenção na aula e só pensava no tal menino louro de olhos claros. Por que nunca
o tinha visto antes? Será que ele era aluno novo? E por que ele reparou logo
nela quando nenhum outro tinha feito? Ela não era feia, pelo contrário, a
tonalidade de moreno que tinha sua pele, suave e macia como veludo, tinha um
quê de exótico; seu corpo já apresentava aquelas curvas de adolescente virgem e
seus olhos castanhos eram vivos como dois vaga-lumes curiosos. Entretanto, ela
não se comportava como as outras meninas, não se maquiava como as outras
meninas, sempre se vestia da mesma maneira com poucos adornos e talvez, por
isso, os garotos não reparavam nela. Também não era de jogar conversa fora.
Ficava sempre quietinha no seu mundo da Lua e pensando nos seus romances – os
fictícios é bom lembrar.
Contudo, ela não conseguia esquecer o
seu príncipe encantado e decidiu na hora do intervalo procurá-lo. A escola não
era grande, portanto, seria um trabalho possível de sua competência. Foi em
todas as salas, olhou minuciosamente pelo pátio, nas duas quadras de futebol,
ficou de tocaia perto do banheiro dos meninos para ver se ele entrava ou saía
e... nada! Perguntou para seus coleguinhas se tinham visto o garoto e a
resposta era sempre negativa. Era como se não existisse. As aulas daquele dia,
inevitavelmente, terminaram e Carolina foi para casa pensando no menino e se o
veria no dia seguinte.
E o dia seguinte veio e lá foi Carolina
para a escola no seu uniforme azul e branco. O Sol estava convidativamente
quente aquela manhã e o céu tão azul que parecia pintado de giz de cera.
Carolina acordara cedo, chegou meia
hora antes do início da primeira aula para esperar o seu admirador secreto no
portão (gostava de imaginá-lo desta maneira). Mas ele não apareceu ou, pelo
menos, ela não o viu; então foi para a aula e entre as e bes, xis mais ípsilons
e ípsilons mais xis, pegava-se com o rosto do garoto em sua mente.
Chegou a hora do intervalo e Carolina
estava comendo seu croissant de presunto e queijo com um suco de morango
acompanhando quando um garoto aproximou-se dela e cumprimentou-a:
- Oi, disse ele; desculpe não ter
falado com você aquele dia, mas estava com medo de chegar atrasado na aula.
- Ah, tudo bem, respondeu quase
gaguejando; eu... tava te procurando pra agradecer por ter me ajudado, mas não
te achei...
- É acho que ando muito ocupado. Meu
nome é Martim, aliás.
- Oh! O meu é Carolina! – e ela mal
pode acreditar na coincidência: ele tinha o mesmo nome do personagem do seu
romance. Quando leu, achou o nome muito bonito – “combina com ele” – pensou. E
os dois conversaram durante todo o intervalo. E depois, na hora da saída, foram
juntos – ele morava praticamente no mesmo bairro que Carolina, descobriu-se
depois. Repetiram a mesma rotina no outro dia e no outro e foi assim a semana
toda. Então, na sexta, quando Carolina continuaria a descer a rua para a sua
casa e Martim entraria a esquerda próxima, propôs ele o que para Carolina seria
o evento do ano:
- Que tal se a gente se encontrasse
amanhã ali na Pracinha do Sabiá?
- É perto da minha casa! Acho que posso
ir à tarde.
- Umas quatro horas tá bom?
- Tá!
- Então, tá certo! Amanhã lá na
pracinha.
Depois que os dois se separaram, ela
tentou, tentou mesmo, mas não conseguiu disfarçar tamanha alegria daquele
momento e foi o resto do caminho imitando passos de bailarina e cantarolando um
“lá-lá-lá” toda apaixonada.
Então, cá estava ela com seu vestidinho
amarelo estampado, coque na cabeça, a bolsinha no colo a esperar por Martim.
Quatro horas tinham combinado e já eram cinco e quinze da última vez que tinha
checado. Sabia disso porque perguntara ao seu Zé, o pipoqueiro da pracinha.
Todo dia estava ele com seu carrinho de fazer pipoca de três tipos: aquele
branquinho salgadinho; um vermelho doce; e um outro vermelho um pouco mais
salgado que o branco. Estava morrendo de vontade de comer a pipoca vermelha e
doce, mas queria esperar por Martim para comerem juntos; e seu Zé acabava de
avisar a Carolina que eram cinco e meia. Um ventinho frio começava a soprar por
ali e Carolina já cruzava seus bracinhos na esperança de se aquecer.
Quando faltava apenas cinco minutos
para as seis, o pai de Carolina apareceu para buscá-la. Não disse nada a ela e
nem ela a ele. Deram as mãos e foram em silêncio para casa. Ao chegarem, sua
mãe lhe deu um abraço e pediu que tomasse um banho bem quente que um chocolate
com biscoitos estaria esperando por ela – um dos lanches preferidos de
Carolina.
Na segunda, ela foi para escola como
sempre e em vão procurou por Martim. Foi assim a semana toda e a seguinte
também. Então o tempo foi passando, passando...
Carolina estava com dezesseis anos,
quase se formando, quando conheceu Pedro, colega de classe do último ano. Os
dois conversavam desde o primeiro dia; ele não tinha a pele alva como leite, o
cabelo de fios de ouro ou os olhos iluminados como as estrelas, ao contrário, a
pele era de um amorenado como a de Carolina, os olhos negros como a noite e
sempre deixava seu cabelo bem baixo o suficiente para perceberem que havia
cabelo ali e que não era careca. Não tinha aquele ar cavalheiresco, era bem
desengonçado na verdade, mas reparou em Carolina, falava com ela e, logo depois
da formatura, começaram a namorar.
Os pais de Carolina adoraram o rapaz.
Pedro era simples, sério, tinha planos de ser um doutor advogado, casar com
Carolina e ter filhos. Amava muito Carolina. Ela também o amava.
Verdadeiramente, do jeito dela, amava.
Mas, mesmo de namoro firme, ela
mantinha certos hábitos: um deles era ler seus romances. Se antes ela lia
dentro de casa, começara, não há muito tempo, lê-los fora, mais precisamente,
ali na Pracinha do Sabiá. Era sempre a mesma coisa: vestia um vestido novo, com
sapatos novos e um coque no cabelo – parecia que ia a um encontro. Chegava
sempre por volta das quatro horas, sentava sempre no mesmo banquinho de madeira
e sempre comia a pipoca vermelha e doce do carrinho do seu Zé. Ficava mais ou
menos até umas seis e pouco. Todo sábado.
Tive que escrever esta história. Sempre gostei e gosto de HQs, FC e fantasia, mas esta veio tão sem querer que foi praticamente uma obrigação escrevê-la. Carolina foi um achado interessante; talvez eu a veja de novo.
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